Balanço
da greve de 2019/2020 e as lições de uma derrota
A suposição de que
alguém pode alcançar
o maior número de
sucessos fazendo concessões
é um completo erro
(Rosa Luxemburgo, em “Oportunismo
e a arte do possível”)
Mais uma greve da nossa categoria chega ao
fim derrotada apesar da boa adesão e do entusiasmo que causou em seu início.
Constatamos isso porque ela não conseguiu obrigar o governo Eduardo Leite (PSDB
e comparsas) a retirar o pacote de destruição do funcionalismo público, nem
deixou saldo organizativo. Com a aprovação do pacote na Assembleia
Legislativa e a greve encerrada, se faz necessário um balanço para tirar as
lições.
Não há uma explicação única para esta
derrota: existem causas objetivas e subjetivas que pesaram para este
desfecho e que precisam ser analisadas em detalhes. Entre as causas objetivas estão a conjuntura, o peso da
direita neofascista e dos seus
métodos, bem como do aparato do Estado e das associações empresariais do RS,
além, é claro, da grande mídia e da sua campanha ideológica; pesou ainda o
atraso político e o imediatismo da nossa categoria, que nunca foram enfrentados
pelo CPERS. Entre as causas subjetivas
estão o papel desempenhado pela direção central (PT, PCdoB/movimento 65, PDT,
PP; CUT e CTB), com suas “negociações” de bastidores, suas táticas e
estratégias políticas, bem como da maioria das correntes sindicais que influenciam
o nosso sindicato indiretamente. Ainda que tenha existido um relativo apoio
popular à nossa greve, todo o trabalho de base não realizado – ou realizado com
uma política equivocada – pesou, como sempre, negativamente no desenvolvimento da
greve.
Um sindicalismo rebaixado e burocrático
não poderia derrotar o governo Leite em sua ofensiva certeira. Enquanto ele não
for resolvido – tal como afirmamos em nossa tese ao X Congresso do CPERS –, não
poderemos ter greves vitoriosas, a não ser por um milagre na mudança da
conjuntura ou por erros políticos cometidos pelos governos do Estado. Fatos que
não ocorreram ao longo dessa greve.
I –
As causas objetivas:
a) A conjuntura: ascensão da
direita neofascista e sua ofensiva
política
A greve de 2019 foi deflagrada em meio
a uma conjuntura extremamente difícil e reacionária: ascensão da direita neofascista, com um amplo apoio popular
que não foi levado em consideração. Muitas correntes da direção central do
CPERS reconheciam estes problemas, embora tenham ignorado ou minimizado suas
próprias caracterizações. É a direita neofascista
que está na ofensiva. O apoio da população à greve existiu, mas foi pontual,
passivo e restrito a determinados nichos sociais. Ele não conseguiu reverter a base
do conservadorismo de direita, que continuou tendo mais peso e, com o passar do
tempo, ofuscou o apoio à greve. Isto é, por não ser combatido coerentemente, o
discurso de crise financeira e de “modernização” do Estado via medidas de mercado venceu a denúncia restrita das consequências da
aplicação do pacote.
Todo o cenário político estava posto
para a sua aprovação, sendo minimizado pela direção central com a esperança de
que o peso inicial da adesão à greve iria intensificar a pressão parlamentar e
eleitoral para fazer o governo recuar. Contudo, isso não ocorreu. Para além do
contexto do RS, concorria o cenário nacional, que demonstrava um amplo apoio ao
governo neofascista de Bolsonaro e à
sua pauta econômica de “Reforma” da Previdência com o mesmo discurso não
combatido. Uma vez que ela foi aprovada no Congresso Nacional, os governadores
estaduais – dentre os quais se encontram do PT e do PCdoB, que vergonhosamente
orientaram seus deputados a votar a favor – se encarregaram de aplicá-la nos
Estados. A maioria conseguiu, exercendo forte pressão para a aprovação do
pacote de Eduardo Leite no RS.
O principal objetivo estratégico do
CPERS era o desgaste político e eleitoral da maioria dos deputados e do próprio
governador. Este desgaste existiu, embora tenha permanecido em margens
estreitas e facilmente contornáveis. Ele foi contrabalanceado pelo apoio
empresarial ao governo e aos seus deputados. O desgaste político é compensado
pelo apoio financeiro e econômico que será dado nas próximas eleições, quando a
psicologia social é modificada pela mídia para facilitar as suas reeleições.
Mesmo que eles venham a perder a eleição, já ganharam o apoio e o suporte da
burguesia e do sistema financeiro. Isto é o determinante!
A maioria dos políticos do nosso país
sobrevive aos desgastes eleitorais e políticos desta maneira. Com Sartori e
Leite não foi diferente. O último acabará reconhecido e premiado como aquele
que conseguiu concretizar a agenda 2020, já ensaiando voos mais altos. Os
governos da direita (em especial os do PSDB) querem se vender ao sistema
financeiro como os seus melhores gestores. Mesmo o desgaste político
conjuntural é compensado pelo apoio de longo prazo do grande capital.
Demonstrar firmeza patronal contra a nossa greve é fundamental para isso. Por isso Eduardo Leite foi intransigente sobre
o corte do ponto, para se vender como “decidido e determinado”. A RBS e a Zero
Hora, apesar de chamarem inicialmente o corte do ponto de “birra” do governador,
logo a seguir declararam que foi para “desestimular
a prática grevista”[i], o que certamente angaria
amplo apoio empresarial e da classe média reacionária. Cabe destacar aqui a
total conivência da justiça que, ignorando diversos respaldos legais, endossou
o corte do ponto[ii].
Após a ameaça de cortar os salários, o sindicato, disseminando as mais
perniciosas ilusões legalistas, se pronunciou dizendo que não havia respaldo
legal para que isso se concretizasse e que não recuaríamos em razão de ameaças vazias[iii].
Também trouxe uma justificativa de que em 2006 e 2007 o Supremo Tribunal
Federal definiu que o corte de ponto, conforme Lei Geral da Greve (7.783/89),
não se estende em casos que há atraso salarial. Tudo isso foi solenemente
ignorado e patrolado pelo governo do PSDB em
conluio com a justiça.
Combater o pacote requeria combater
abertamente não apenas a estratégia política da direita neofascista, mas o próprio capitalismo. Ao contrário disso, vimos
um discurso economicista e reducionista, que inevitavelmente terminava em
práticas sindicais conformistas e conciliadoras. Ou seja, jogamos o jogo do
inimigo com suas regras e os seus limites (respeitados apenas por nós). O
governo Leite, por sua vez, surfando na onda neofascista, aproveitou pra atacar o direito de greve apoiando-se numa
tendência nacional[iv]
que passa por cima de qualquer legislação.
b) Discurso ideológico da
grande mídia e do governo em defesa do pacote e contra a greve
Um dos principais elementos que
predominaram na vitória do governo sobre a nossa greve foi o discurso
ideológico, muito mais refinado e eficaz que o do CPERS, o do movimento
sindical e o da “esquerda” em geral. O método propagandístico do governo Leite
e da grande mídia consiste em separar a crise do Estado das exigências do
mercado (privatizações, isenções de impostos, sonegações, juros altos), isolando
o Estado do mercado, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra. Omitem
que o principal problema financeiro é justamente a drenagem de recursos do
Estado para o mercado (sobretudo o mercado financeiro). Simultaneamente,
reforçam a tese de que o problema é o próprio Estado (o público) e a solução é o
mercado e as privatizações[v].
Esta propaganda não apenas não foi
combatida durante a greve, como saiu fortalecida, servindo de base para
justificar a aplicação do pacote; que ganhou, inclusive, certo apoio social.
Para combater esse discurso seria necessário avançar para uma denúncia do
capitalismo, combatendo não apenas os políticos e os governos burgueses, mas os
empresários e suas associações, que estão por trás dos primeiros. Por exemplo,
denunciar o pacote exigia a denúncia da FIERGS, Fecomércio e outras associações
patronais, além do sistema financeiro e do agronegócio, com o objetivo de
demonstrar o seu total interesse em destruir os serviços públicos para se
apropriar destes recursos. O CPERS, ao contrário disso, permaneceu no seu samba
de uma nota só contra o governo e os deputados – o que é importante, mas
claramente insuficiente.
Por que a direção central do CPERS age
dessa forma? Ora, porque as correntes que o dirigem não querem se enfrentar com
o sistema, a não ser em questões muito pontuais, sem chegar nunca aos seus
pilares de sustentação – o que põe em risco a sua estratégia política. Assim,
uma denúncia parcial, precária, que não vai até a raiz das questões
fundamentais, serve para manter o debate público num nível aceitável e
controlável para a burguesia, o governo e os seus assistentes.
A grande mídia, por sua vez, demorou
para atacar a greve de frente. Percebendo um relativo apoio popular à ela,
manteve um discurso “pela positiva”, sustentando aberta ou disfarçadamente o
pacote com o discurso de “crise financeira”, “reforma”, “modernização” e
“Estado-ruim versus mercado-bom”. Esperaram
o inevitável cansaço do tempo prolongado e da inoperância da estratégia de
pressão parlamentar fazer efeito. A partir daí, passou a lançar pequenas notas
pra confundir, falando capciosa e moderadamente sobre corte do ponto e demissão
de contratados (com discursos dúbios e selecionados). No fundo, sabia que a
pressão das organizações empresariais, em razão do seu peso econômico, seria
muito mais eficaz e decisivo do que a dos atores da escola pública. Sendo
assim, sabíamos que, com a política da direção central, desperdiçar o “grande
apoio” da população e das comunidades ao longo dos mais de 2 meses de greve era
apenas uma questão de tempo.
***
Como sempre acontece durante as greves,
se inicia uma discussão sobre a necessidade de se utilizar inserções na mídia
burguesa – seja ela televisão, rádio, jornal ou outdoors. A direção central age como se não existisse comando de
greve: decide sozinha, dificulta ou facilita o debate, de acordo com a sua
compreensão no momento.
Nesta questão existem dois problemas
centrais: 1) a direção central tenta reduzir toda a proposta de investir na
mídia a “gastar dinheiro com a RBS”, afirmando não querer “financiar os nossos
inimigos de classe”. Este discurso cínico descarta várias possibilidades
importantes, tais como investir em outras emissoras e esconde o mais grave: que
a política do PT e dos demais partidos que compõem a direção central
beneficiaram e beneficiam a RBS-Globo quando estiveram no poder. Agora, na
direção do CPERS, passam a ter febres de “esquerda” e se lembram de “não
financiar os nossos inimigos de classe”. Mesmo quando se solicitou o
investimento em outdoors a direção
central deu estas desculpas de ocasião; 2) o outro problema diz respeito ao
conteúdo das propagandas veiculadas na grande mídia. Ou seja, ninguém além da
direção central tem a possibilidade de decidir a política que será expressa.
Nesse sentido, a maioria das propagandas pagas com o dinheiro dos sócios do
CPERS tem sido um desperdício.
c) O “apoio popular” à nossa
greve e o nível político da categoria
Muito se falou nos balanços e avaliações
dos núcleos de que a “greve era a maior de todas” e a que “possuía o maior
apoio popular e das comunidades”. Apesar de reconhecermos que existiu um certo apoio popular, devemos ponderar os
exageros, que servem para ofuscar a realidade. Grande parte do apoio de
comerciantes – que colocaram placas em frente das suas lojas – da comunidade
escolar e dos alunos foi passivo, de
mera contemplação. Não se traduziu numa ação concreta de se somar na
organização das lutas (com raras exceções). Mesmo o cinismo do governador, ao
afirmar que os educadores “não tinham motivo para fazer greve”, não causou
maiores comoções entre a comunidade, que sabe, melhor do que ninguém, que
existem todos os motivos do mundo para os educadores fazerem greve. No entanto,
o número de pais e alunos presentes nos atos convocados pelas escolas não
deixam margem a muitas dúvidas. Podemos exaltar o “grande apoio” em reuniões
sindicais para embalar a greve; mas o governo e a mídia certamente não se
deixam enganar. Parte desse apoio passivo pode ser explicado pelas relações
pedagógicas problemáticas de autoritarismo entre muitos professores, alunos e
pais durante os períodos de aula.
Outro problema foi a adesão real à
greve: muitos colegas paralisaram as atividades fazendo os índices de escolas
grevistas aumentar, mas pra ficar em casa. Trata-se da malfadada “greve de pijama”,
exaltada ou ignorada pela direção central, por certas correntes sindicais e
mesmo por alguns ativistas independentes. Assim, o movimento grevista não tomou
o corpo necessário para a sua organização e aprofundamento real junto à
população, a não ser, pontualmente, aonde a burocracia sindical investiu
dinheiro, como nos atos de rua e nas viagens pelo Estado. Mesmo nestes atos,
houve apenas uma participação massiva de servidores que era acrítica e
controlada. As principais decisões ficaram, como sempre, restritas aos círculos
burocráticos dirigentes – direção central e comando estadual de greve –, o que
causa um maior mal estar e confusão nos momentos decisivos. O resto era mero
reprodutor. Qualquer crítica ou mesmo questionamento eram tratados com
hostilidade ou como divisionismo da sacrossanta “unidade”, que só se manteve
enquanto as ilusões de que a pressão parlamentar conseguiria fazer o governo
retroceder. Apresentavam essas posições odiosas sob o lema de “não vamos
dividir a luta” ou “paremos de nos digladiar”, como se a luta sindical pudesse
ser feita às cegas e não devêssemos avaliar as críticas pelo seu conteúdo[vi]. E não era apenas a
direção central e as suas correntes que procediam dessa forma, mas muitos
colegas de base, educados direta ou indiretamente na mesma concepção política
que a direção central. Ou seja, para estes, apenas uma linha é permitida. Tal
forma de proceder nada tem a ver com métodos científicos, mas com dogmas
religiosos que só podem ser nefastos para o desenvolvimento da luta sindical.
O nível político da nossa categoria não
ultrapassa a noção de democracia burguesa. Isso reflete, por um lado, anos de
uma “educação” sindical baseada nesses princípios obsoletos; por outro, a busca
da grande massa da categoria por um caminho mais cômodo e fácil, isto é, quer
uma luta rápida e com garantias de vitórias sem esforço! Tal opção não existe e
jamais vai existir, mas mesmo assim, quando observamos o tipo de agitação e de
propaganda por parte do CPERS, percebemos que as sementes desta noção foram
plantadas e regadas pelo sindicato. Estas ilusões cobram um preço. O medo de
falar a verdade e, consequentemente, a diplomacia secreta, prolongam o caminho
e a agonia, resultando em derrota.
Se analisarmos mais profundamente os
números da adesão à nossa greve, perceberemos que houve um aumento graças ao
engajamento de muitos diretores, que usaram a sua autoridade para fechar as
escolas. Aqui é preciso fazer uma diferenciação importante: existem inúmeros
diretores de luta, que sempre estiveram engajados na luta sindical, direta ou
indiretamente; mas nesta greve pudemos ver o “fenômeno” de adesão de muitos
diretores que nas passadas perseguiram e delataram grevistas ao governo por
medo de perderem alguns benefícios, o que explica, em parte, porque tal adesão
não se traduziu em movimento organizado de rua, mas em “greve passiva”. Chama a
atenção que praticamente nenhuma corrente e pouquíssimos ativistas tenham se
preocupado com estes sérios problemas. Outros tantos diretores continuaram
desempenhando seu papel reacionário, tencionando por manter as escolas abertas.
A “grande” adesão também pode ser
explicada pelo fato da tentativa de junção das folhas de pagamento por parte do
governo Leite. A última parcela de pagamento do mês de outubro estava prevista
para a primeira quinzena de dezembro. Tal como na greve de 2017, esta atitude
do governo não apenas indignou amplos setores da nossa categoria, como os jogou
para a greve pela possibilidade da falência financeira completa.
***
Ao longo da greve se tornou comum ouvir
que as escolas estavam se auto organizando e avançando para uma auto gestão
grevista justamente porque houveram atividades nas escolas e algumas zonais de
Porto Alegre foram ativadas parcialmente. Por mais positivo que tenham sido
estas organizações “de base”, elas estão muito longe de ser uma auto
organização. Primeiro, porque não se refletem nas decisões dentro do CPERS e
não vão além daquilo que a burocracia sindical tolera; segundo, porque além de
extremamente pontuais, não sobrevivem aos períodos de greve e, também, não
possuem nenhuma influência sobre o comando de greve. Assim sendo, trata-se de
uma organização muito incipiente e restrita. Na verdade, estão muito longe da
auto organização que necessitamos não apenas para o CPERS, mas pra todos os
sindicatos do nosso país. Já tivemos a oportunidade de esboçar uma sugestão de
auto organização para o CPERS algumas semanas antes da deflagração da greve[vii].
Além disso, a divisão entre nomeados e
contratados continuou. Os últimos foram arrastados para a greve e nela
continuaram sem bandeiras ou reivindicações. Também não tiveram representação organizada no comando
estadual de greve. A preocupação com os contratados foi pontual e restrita. Não
se gestou, nem se consolidou uma verdadeira solidariedade de classe entre
nomeados e contratados. Em razão dessa política sindical patronal, veremos o
quanto a greve não cumpriu o objetivo de organização e solidariedade de classe
quando começarem os “novos” ataques e as demissões de contratados no final de
2020.
II –
As causas subjetivas:
a) O papel da direção
central do CPERS e do comando de greve
A greve foi deflagrada no dia 14 de
novembro, como resposta ao protocolo do pacote na Assembleia Legislativa pelo
governo Eduardo Leite. Esta tática foi correta, pois garantiu o incipiente
“apoio popular” que viu e sentiu a ação do governo como um ataque e ainda
preservou a greve de ser atacada como precipitada. Deflagrar a greve em
setembro, tal como queria a maior parte das correntes de “oposição”, na verdade
apenas desperdiçaria munição, expressa neste caso, sobretudo, pelo tempo.
Porém, a justeza desta tática da direção central termina aí. Todo o restante
foi uma repetição do mesmo de sempre; a começar pela composição do comando
estadual de greve e a inexistência de um fundo de greve prévio.
O mais escandaloso foi a forma como o
comando de greve foi “votado”: um conchavo a céu aberto, feito em plena luz do
dia e em cima do caminhão de som! No entanto, apesar disso, grande parte dos
presentes – muitos dos quais colegas independentes de partidos ou correntes
sindicais – não viram problema algum nisso[viii]. Ao contrário: cegos de
raiva contra o governo e desesperados pela deflagração da greve a qualquer custo,
votaram acriticamente não apenas pela conformação antidemocrática do comando,
como também por uma chamada extra. Compreendemos que este estado de espírito de amplos setores da nossa categoria é um
problema, já que serviu perfeitamente para sustentar toda a política da
burocracia sindical e também entrou como um dos elementos secundários que
contribuíram para a derrota do movimento grevista. Precisa ser superado para
que surja um novo sindicalismo.
A enrolação sobre o fundo de greve
cobrou seu preço novamente. O drama do corte do ponto poderia ter sido evitado
se o fundo de greve tivesse sido criado honestamente conforme determinação de
uma assembleia geral realizada em 2016. Ativistas independentes e muitas
correntes do CPERS não viram problema algum nesta deflagração de greve, como
continuaram propondo sua continuidade sem condições e sem a menor preocupação
sobre a democratização do comando de greve e a criação de um fundo de greve,
tal como se esses pontos fundamentais fossem desprezíveis. Um comando de greve
deve se transformar na verdadeira direção da greve, criando vínculos reais com
as escolas paralisadas. Nada disso foi feito e a direção central, como já é de
costume, não perdeu o controle “de maioria” sobre o comando em nenhum momento.
Todos estes fatos seriam uma tragédia
por si mesmo. Somou-se a isso o trabalho de base realizado nos moldes do
sindicalismo cutista, eleitoreiro e repleto de ilusões. A principal estratégia
desse sindicalismo é a pressão parlamentar visando o desgaste eleitoral. Não
questiona absolutamente nenhum pilar da sociedade burguesa. Esta estratégia já
tinha sido criticada por nós no X Congresso do CPERS, nos seguintes moldes: “A maioria esmagadora dessa burocracia
sindical aposta nas eleições burguesas: quer desgastar os governos neofascistas
para trocá-los por governos petistas ou de qualquer outro partido reformista.
Isto é, pretende administrar o capitalismo. Por isso, não tem contradição com
propostas limitadas e conciliadoras como este tipo de ‘greve’”. E concluía
com base na experiência da aprovação do fim da necessidade de plebiscito para
privatizar estatais: “Combater um governo
ágil e preparado pra nos atacar requer um novo sindicalismo, a aproximação real
com as comunidades escolares e o fim da burocracia sindical. Os ataques do
governo Leite não seriam tão eficazes se não contassem com a passividade das
burocracias sindicais ligadas ao funcionalismo público (MUS, CUT, CTB, etc.)
(...). Ficaram calados e inertes nas
vésperas, montando as suas patéticas ‘banquinhas’ na Praça da Matriz para
assistir de camarote a destruição do patrimônio público e se lamentar e
‘denunciar’ só depois, para reafirmar a política ilusória de ‘votar certo’ nas
próximas eleições”[ix].
Tudo isso se repetiu exatamente igual! Nesse
sentido, é fundamental mudar a orientação política do sindicato, sobretudo,
apostando na sua organização pela base. Cabe destacar que, na prática, a
política legalista e eleitoreira da direção central é consentida – senão aprovada totalmente como a “única possível” – pela
maioria do comando de greve e por grande parte da categoria. Foram os anos
deste sindicalismo burocrático e eleitoreiro que nos trouxe a este beco sem
saída. O governo Leite, sentindo a correlação de forças mais favorável ainda, passou
a ofensiva cortando o ponto dos dias parados visando atacar o direito de greve.
Tal ação gerou um desespero por parte de um grande setor da categoria que
entrou em pânico e exigiu qualquer tipo de saída, propagando um ódio tão sentido,
quanto estéril, contra colegas que voltavam ao trabalho.
A direção central não dissemina ilusões
eleitorais sozinha. Nesse esforço contou com o apoio da deputada Luciana Genro
(MES-PSOL), que entrou com uma ação judicial de ilegalidade do pacote do governo
Leite, o que suspendeu a votação por um dia, fazendo o ato esvaziar e vendendo
esse factoide como “vitória”. Tal “vitória” apenas facilitou a verdadeira
vitória do governo, abrindo um vazio na própria estratégia de pressão
parlamentar, que, novamente com a conivência da justiça, teve autorização para
votar a primeira parte do pacote no dia seguinte com a Praça da Matriz
praticamente vazia. Este é o preço das ilusões eleitorais e legalistas!
***
Como já foi dito, os contratados não
tiveram bandeiras nesta greve – sequer a proposta de readmissão das contratadas
demitidas em licença saúde foi apresentada na mesa de negociação. Toda a
política do CPERS de antes da greve gera repulsa e medo nos contratados. Muitos
aderiram contrariados, por pressão das direções de suas escolas. Se é certo que
o pacote os atinge em cheio, também é certo que o sindicato não usou o
movimento grevista para avançar na sua organização.
Pra piorar, no início de dezembro, o
CPERS faz coro com uma nota lançada por algumas CREs que “orientavam” os
contratados a se recadastrar, tornando-se um porta-voz informal da SEDUC. O
objetivo das CREs era claro: tentar acelerar o processo de fechamento de todos os contratos, fato não reconhecido e não
denunciado pelo CPERS. Depois, voltou atrás e publicou uma errata que foi pior
do que o vídeo do próprio secretário de educação. As notas do CPERS não apenas
semearam a dúvida e a insegurança dentro das suas próprias fileiras, mas,
também, a aceitação passiva de que “até o
momento há garantia [para os contratados] somente até o fim de 2020”[x]. Muitos grevistas
“independentes” – dentro daquela visão estreita de ódio seguidista – viram mais problemas nesta denúncia feita por nós
do que na política do CPERS que lançava quase a metade de sua própria categoria
na dúvida e na incerteza em meio a uma das maiores e mais difíceis greves da
categoria.
***
O mais escandaloso, contudo, foi a
negociata que a direção central realizou nas vésperas da votação do PL 507, na sessão
extraordinária da Assembleia Legislativa, em janeiro de 2020. Ali fica
cristalino o resultado nefasto da estratégia de pressão parlamentar. Com o
discurso de “redução de danos”, a direção central se lançou nesta negociata com
o MDB, afirmando “não querer tirar o protagonismo
da ‘casa do povo’”, um eufemismo para este covil de salteadores a soldo do
grande capital. Depois elogiou vergonhosamente partidos reconhecidamente
lacaios do capital neofascista, como
o PSL e o Podemos, reforçando aquela ideia absurda de “candidatos e não
partidos”, como se uma coisa fosse independente da outra.
Que fique claro: negociações de
“redução de danos” podem ser feitas desde que amparadas por uma assembleia
geral da categoria e não feita em nome da categoria, a portas fechadas, deixando
que “tais negociações” fossem amplamente exploradas pela grande mídia e pelos
próprios deputados. Seria muito importante, dentro desta perspectiva, que
houvesse o reconhecimento da derrota, para que a “negociação” se justificasse
dentro dessa perspectiva. Nada disso foi feito, apenas o ataque odioso, que já
é praxe, e o bloqueio nas redes sociais contra qualquer voz que criticasse a
impostura do CPERS.
b) O papel das centrais
sindicais, do MUS e das correntes majoritárias de “oposição”.
Ao longo da greve muito se falou sobre
“a grande unidade com os demais servidores”. Mas a unificação com os demais
servidores existiu? De que tipo de unidade necessitamos?
Em primeiro lugar, há que se destacar o
fato de que houve unificação apenas na cúpula dos sindicatos. A base era
convocada somente para os grandes atos, no qual imperavam falas restritas às
direções, sem nenhum encaminhamento concreto. Foram, portanto, atos de
demonstração, visando, como sempre, o desgaste eleitoral do governo; e as
“assembleias unificadas” eram, nada mais e nada menos, do que palanques de discurso
dos dirigentes. Nenhuma luta concreta unificada ocorreu nos locais de trabalho.
Nenhuma ação de propaganda e agitação de massas para além desses atos. O CPERS,
o MUS e as centrais não foram além do estrito corporativismo de cada categoria
e também não quiseram propor pautas mais amplas que procurasse envolver
trabalhadores da iniciativa privada e mesmo desempregados.
Reconhecemos que os atos de 20 a 30 mil
pessoas na Praça da Matriz foram importantes. Demonstram, sobretudo, que a burocracia
investiu pesado pra manter estes atos e mobilizações (revelando que, frente a
um ataque, uma direção sindical pode ter papel decisivo de trazer gente pra rua
quando tem vontade política). Mas a
estratégia de desgaste eleitoral ilude toda essa massa de que a pressão
parlamentar é suficiente. Assim, a força vai se esvaindo e oportunidades vão
sendo desperdiçadas. Se toda esta massa fosse armada com uma estratégia de organização
por local de trabalho, com palavras de ordem e de propaganda que realmente
atingissem as estratégias do governo Leite e os seus sustentáculos empresariais,
colocando uma perspectiva de poder para além das eleições, que resultados
poderíamos obter? Tais mobilizações massivas, construídas com base nesses
métodos, criaram ilusões em muitas pessoas, que chegaram a pensar que o governo
poderia recuar e ser derrotado. Quanto maiores as ilusões, maior a decepção
posterior!
É importante pontuar ainda que algumas
categorias do funcionalismo público são fantasmas, tendo suas paralisações
pouco impacto na sociedade – isso não quer dizer que sua greve não seja
importante! Outras, porém, cumprem um papel problemático, como é o caso da
polícia. Todo o peso de sua função social ficou evidente na divisão imposta
autoritariamente durante a “assembleia” do CPERS de 17 de dezembro, que foi
suspensa por pressão da polícia. Este episódio demonstrou que não houve sequer
uma combinação formal entre as cúpulas sindicais dos horários das suas
assembleias e, tampouco, que havia unificação real do movimento. Nos é
favorável este tipo de “unidade”?
Apesar de todos esses problemas, vale
ressaltar que os atos no interior – destacando em especial, o ato de Pelotas –
foi uma boa experiência de agitação que deve se repetir modificando-se as
estratégias. As manifestações de Pelotas e Bento deixaram claro que houve
injeção de dinheiro maciço pra manter a luta, pois em greves passadas tais propostas
eram impensáveis para a burocracia sindical.
c) Sobre as ações
radicalizadas e o desespero pós-derrota da greve
Na nossa tese ao X Congresso do CPERS,
escrevemos: “Muitas correntes e ativistas
atribuem às greves, bem como à ações radicalizadas descoladas da massa, um
poder mágico e místico que poderia, ao contrário do que a realidade nos diz,
derrotar os governos”[xi].
As ações radicalizadas são muito
importantes, mas elas necessitam de um contexto específico e, acima de tudo, da
participação ou, pelo menos, do apoio ativo e da compreensão das massas. Radicalizar
exige um trabalho ideológico prévio que o CPERS não apenas não realiza, como
combate, pois entra em frontal contradição com o seu sindicalismo reformista e
legalista. As ações radicalizadas com uma categoria tão numerosa deveria fazer
valer pelo seu número. Ao contrário, estas ações têm sido propostas para poucas
pessoas se comparadas com o número da categoria – muitas vezes conflitando com a
sua própria vontade. Assim, caímos numa contradição insolucionável, fazendo com
que muita gente olhe as ações radicalizadas com desprezo e medo ou esperando
que “alguém faça por nós”. Dentro desse contexto elas perdem completamente o sentido
e a força. É por isso que as “ações radicalizadas” do CPERS, ainda que
importantes se comparadas a outros sindicatos, são sempre com hora marcada e prazo
de validade. São, na verdade, fatos políticos para aparecer na mídia e não
ações radicalizadas reais que empoderem os trabalhadores de base.
Já analisamos que a categoria é legalista e
passiva, esperando seus messias: os
candidatos “progressistas”, as eleições, a justiça, os sindicalistas que “fazem
por nós”. Como sabemos, a maioria esmagadora das correntes do CPERS alimenta
isso. Nos momentos de calmaria, todas estas questões deveriam ser debatidas para
explicar pacientemente à categoria mais atrasada o que são e pra que servem. Vimos
o contrário: o CPERS muitas vezes criminalizar quem o faz.
***
Escrevemos no início de novembro que “para derrotarmos o pacote de Leite seria
necessário responder como o Equador e o Chile. Porém, o trabalho prévio não foi
feito pela burocracia sindical do CPERS, que condena esses métodos”[xii]. E no final do mesmo mês,
dissemos que “se faz necessário a unidade
com todos os setores sociais, para além do funcionalismo público, com as
categorias da iniciativa privada, os subempregados e desempregados, na
perspectiva de transformar o RS e o Brasil no Chile, tendo no horizonte o
objetivo de ir além do espontaneísmo”[xiii].
Cabe destacar aqui duas questões
fundamentais: no Equador no Chile as massas estão envolvidas diretamente nessas
ações radicalizadas; e há a vinculação indispensável entre as ações
radicalizadas e a superação (ou, pelo menos, a anulação) da burocracia
sindical, fato nunca lembrado ou mesmo ignorado por quem propõe tais ações.
Na França a greve geral conseguiu fazer
o governo Macron recuar com sua “reforma” da previdência porque envolveu com
êxito as massas nas mobilizações, que, além de já possuir uma relativa tradição
com tais ações, foi além das simples ocupações de espaço públicos realizadas
por categorias isoladas com pautas corporativas. Os protestos na França
avançaram para o corte da energia elétrica que afetou mais de 12 mil
residências[xiv]
e envolveram diversas categorias, como o metrô, que em alguns momentos chegou a
paralisar totalmente – ou seja, ações impensáveis para a burocracia sindical do
CPERS, que certamente as combateria sem tréguas.
***
Em todos os casos, as ações radicalizadas
não podem ser fruto de uma ação desesperada que resulte de uma correlação de
forças desfavoráveis e de uma derrota. Devem ser bem preparadas e amparadas (no
caso de surgirem espontaneamente das massas).
Após as derrotas há uma tendência inata ao
desespero que procura saídas mágicas que denotam apenas desespero e pânico
pessoais. Esta indignação desesperada e estéril pós-derrota não ajuda a
compreender as suas verdadeiras causas, como redunda em análises grosseiras e
desesperadas contra colegas de base. Em que isso pode ajudar a reverter o
quadro? Por que ao invés de fazer análises grosseiras, estes colegas não
apostam na construção de um novo sindicalismo a longo prazo, que estabeleça
novas relações de organização na base e que lute sem tréguas contra a
burocratização sindical? Que papel cumpre a burocracia sindical para frear tais
ações? Não estariam desejando apenas uma saída fácil para uma realidade
complexa?
Todas essas perguntas precisam ser
respondidas, ao mesmo tempo em que devemos lançar um olhar para as correntes do
comando de greve e a sua postura frente a este debate. Compreendemos que não
adianta gritar por ações radicalizadas e a continuidade da greve sem combater o
atual formato do comando de greve e todas as suas inconsequências, dentre as
quais, o desprezo por ações radicalizadas é uma das mais flagrantes.
III
– Conclusões
Engels, escrevendo em 1845 sobre os problemas
do movimento operário, apontou que “a
história das associações [sindicais]
é a história de uma longa série de derrotas dos trabalhadores, interrompidas
por algumas vitórias esporádicas. É natural que todos esses esforços não possam
mudar a lei econômica segundo a qual o salário, no mercado de trabalho, é
regulado pela relação entre a demanda e a oferta. As associações [sindicais] são impotentes diante de todas as grandes
causas que operam sobre essa relação”[xv].
Ou seja, não há futuro para uma luta sindical restrita às causas econômicas
corporativas e profissionais que não enfrente o capitalismo; ou pior: que
pretenda administrá-lo usando o movimento sindical como moeda de troca
eleitoral.
Num momento em que se tornou comum citar
Marx, Engels e, até mesmo, Lenin, para justificar as atrocidades políticas da
direção central, cabe relembrar a essência destes pensadores: “Existe uma guerra social aberta e que, se a
burguesia tem todo o interesse em conduzi-la hipocritamente, sob o manto da paz
e até da filantropia, aos operários só pode favorecer a revelação das relações
hipócritas, só pode favorecer a destruição dessa hipocrisia”[xvi]. As táticas e a
estratégia da direção central não questionam esta hipocrisia; senão que as
reforçam à exaustão quando jogam tudo para ser resolvido no parlamento ou na
justiça (numa palavra: quando esperam tudo da legalidade burguesa). A derrota
da nossa greve deve ser creditada, sobretudo, ao fortalecimento dessas relações
hipócritas, que abrem outras brechas piores. Para nós, não basta mudar esta
direção central por outra; mas arrancar pela raiz o sindicalismo reformista e
burocrático praticado até aqui pelo CPERS, sem o quê, qualquer eleição sindical
não passará de outras formas de fortalecer novas relações hipócritas.
***
Chama a atenção que a maioria esmagadora das
correntes do CPERS não reconhece que fomos derrotados, embora isso esteja
evidente em suas propostas e análises indiretas. As defesas de fim da greve
feitas pela direção central omitiam que havíamos sido derrotados, o que servia
para confundir e ludibriar a base visando manter o controle sobre o aparato,
pois a sua hegemonia sobre o sindicato depende dessas ilusões. Todas as
correntes majoritárias se agarravam a qualquer fiapo de “vitória” para sugerir
o fim ou a continuidade da greve, criando o que podemos batizar de oportunismo esquizofrênico – ou se
escondiam atrás de sofismas do tipo “a
nossa vitória é a luta”. Algumas correntes reconheciam a derrota, mas não
tiravam nenhuma conclusão dela, senão que a greve deveria continuar...
Conforme as justificativas apresentadas pelas
correntes da direção central na assembleia geral de 14 de janeiro de 2020, nós precisávamos
“encerrar a greve para voltar organizados
e ocupar a Praça da Matriz no dia 27 de janeiro” ou apenas “tomar um impulso para dar uma voadora no
governador”. Porém, nenhuma palavra sobre derrota. Da mesma forma, os que defendiam
a continuidade, não falavam nada sobre mudar o comando, construir um fundo de
greve ou mudar a orientação política dada até a assembleia de encerramento.
Este oportunismo esquizofrênico de
ambos os lados apenas aprofunda o afastamento da categoria do sindicato. Se não
concluirmos que fomos derrotados, nada precisa ser reavaliado ou modificado no
sindicato. Também não teremos condições de reconhecer que o governo Leite está
em plena ofensiva contra nós e que a correlação de forças lhe é amplamente
favorável.
Assim, capciosamente esta palavra foi evitada
por ambos os campos, o que impede que a categoria possa fazer um balanço
profundo e verdadeiro sobre os motivos que nos levaram a este brete. Para nós,
esta derrota não foi uma casualidade desta greve, mas o resultado de mais de 30
anos de um sindicalismo burocrático e reformista, cujo resultado é a estéril
pressão parlamentar.
A retórica de “é guerra, é greve” não
encontrou respaldo na realidade. Fomos à guerra sem um fundo de greve e munidos
com as táticas e estratégias totalmente dominadas pelo inimigo. Ele nos teve na
mão durante todo o tempo, sabendo administrar a opinião pública reacionária que
lhe era favorável. Tentamos debater tudo isso no X Congresso, mas fomos
barrados pelo autoritarismo burocrático, que não deixa a discussão sair de
determinados limites.
No nosso balanço deste congresso,
datado de setembro de 2019, sustentamos que para deflagrar uma greve “nós não esquecemos, nem por um momento, que
a frente do nosso sindicato estará uma burocracia sindical que (...) manobrou para não aprovar resoluções sobre
abertura do comando e do fundo de greve, bem como da sua imprensa sindical. O
que esperar, então, de uma ‘greve maciça’ como essa? Por tudo o que foi
descrito até aqui, temos profundas preocupações com o futuro do CPERS e dos
seus Congressos. Nenhum debate para sintetizar as nossas experiências
grevistas, por exemplo, foi feito no X Congresso. Para quem tem servido os nossos
congressos então? Será possível, assim, avançar no movimento grevista?”[xvii].
***
A greve não foi precedida por um
trabalho de base e munida com bandeiras de luta coerentes com todo o período
anterior. O comando fechado às correntes, a inexistência de um fundo de greve,
a deficiência do debate e da preparação real na base, não poderiam ter outro
resultado. Frente a mais esta derrota é preciso reescrever nossa história; rever
nossos direcionamentos; reavaliar nossos valores; reconstruir nossos momentos;
em síntese: é preciso apontar um outro sindicalismo e um outro programa com novas
formas de organização pela base, forçando para que ela assuma um protagonismo
consciente sobre o CPERS. A base não pode ser bajulada como um filho mimado,
mas conscientizada. Enquanto ela não aprender a suportar a verdade e ser preparada para um real enfrentamento,
não estaremos à altura dos embates que o futuro e a conjuntura nos reservam. A
maioria das correntes do CPERS bajula a categoria e tem profundo medo de lhe
dizer as verdades que necessita ouvir.
Além disso, seguindo o humanismo freiriano, precisamos aprender a ouvir os outros para dar
fim ao “fascismo sindical” – isto é, terminar com as práticas de abafamento de
minorias que tentam sinceramente
propor e debater políticas sindicais e o fim do “grenalismo”, que não pode
gerar outro sentimento que não o ódio entre nós. Algumas correntes erroneamente pensam que bastava antecipar a deflagração da greve para setembro ou seguir com a greve mesmo sem condições para que, contraditoriamente, todos
esses graves problemas e desvios burocráticos se resolvessem por conta própria.
Nós entendemos que nada disso poderia resolver estes problemas de burocratismo,
que precisam ser enfrentados de frente, com políticas e ações conscientes e
decididas.
***
O corte do ponto se colocou como um fato
inexorável, que acendeu um alerta vermelho entendido por poucos. A direção
central, como sempre, tentou minimizar e ignorar a derrota de sua estratégia,
que nos trouxe a este brete profundo. Como derrotar o pacote com um
sindicalismo que, além de já ter sido inútil para impedir a sua aprovação
parcial em dezembro, sequer conseguia reverter o corte do ponto que lançava
muitos colegas de volta às salas de aula, sem amparo algum e sem fundo de
greve?
Muitas correntes ignoraram que isso
representava um decisivo passo do governo, que foi testando e confirmando sua
força contra nós. A retórica de “seguir em greve” não podia esconder as nossas
profundas debilidades e o esgotamento de forças para seguir em greve. Ao invés
de recuar para reavaliar o sindicalismo e o programa do CPERS, estas correntes
entendem que uma greve já esgotada e dirigida pela atual burocracia sindical
seria capaz de derrotar o governo apenas por seguir. Tudo isso não poderia
significar mais do que um aventureirismo.
E quanto mais a greve ia esvaziando como
resultado inevitável das estratégias equivocadas e do sindicalismo burocrático
sustentado pelo comando de greve fechado, mais o desespero vinha à tona,
fazendo pipocar nas redes sociais acusações, posições niilistas ou propostas
mirabolantes, como “novos partidos”, “novas bancadas”, candidatos, “explosões”,
ocupações e, é claro, ações radicalizadas nunca especificadas e nunca colocadas
em prática, não apenas pela sabotagem das correntes majoritárias do comando de
greve, mas porque estavam em flagrante contradição com a realidade.
Muitas análises simplistas procuravam
encontrar um único bode expiatório. Atribuíam tudo à direção central, ignorando
os problemas da categoria e da conjuntura. Certamente compreendemos que as
ações da direção central são catastróficas,
ajudando a aprofundar os outros problemas. Mas certamente é preciso buscar uma
visão dialética da realidade, sem reducionismos, pois existem diversas causas,
embora isso não nos exima de organizar a luta contra a burocracia sindical e a
direção central no cotidiano da vida do CPERS; fato não cumprido por muitos
ativistas e correntes que, no mais das vezes, conciliam com sua política.
Compreendemos que esta derrota e a
cegueira das análises sobre as lições da greve reforçam a ofensiva do governo
Leite, que agora tende a aprofundar outros ataques como a redução das
disciplinas através da sua “remodelação curricular” do Ensino Médio e do Ensino
Fundamental, o que resultará em centenas de demissões, bem como sobre a
manutenção do corte do ponto para a maioria dos grevistas. A permanência da
atual prática sindical facilitará estes ataques, que precisam ser combatidos
com um novo sindicalismo, classista e revolucionário.
***
Nós entendemos que um dos supremos objetivos
de uma greve, segundo o já dito pelo operário francês Eugène Varlin[xviii], deve ser a
solidariedade entre os trabalhadores. Nesse sentido, o movimento grevista
poderia ter contribuído para a real organização de base e o desenvolvimento de
uma consciência de classe que resultasse numa maior solidariedade entre os
trabalhadores da nossa categoria, bem como a consciência da necessidade de formação
teórica e sindical que elevasse o seu nível político; mas com tais políticas
apresentadas pela direção central e a sua “oposição”, não avançamos em nada
disso. Ao contrário. Esta greve, por exemplo, não aumentou em nada a
solidariedade entre os educadores nomeados e contratados. Grande parte da
consciência política da categoria está estacionada nas questões econômicas imediatistas e nada disso foi alterado.
Não se trata, portanto, de uma simples
questão de data para a deflagração ou continuidade da greve, como sugerem muitas
correntes de “oposição”, mas justamente da qualidade do trabalho realizado pelo
CPERS, da política e da organização para a greve, bem como sobre a compreensão da correlação de forças,
completamente ignorada por elas – o que acaba sendo um presente para a
burocracia sindical dirigente. A série de erros já apontados aqui e na nossa
tese ao X Congresso do CPERS, que também são sentidos inconscientemente por
amplas camadas da nossa categoria, não podem ser resolvidos durante a greve, até
porque a burocracia sindical dirigente não tem o menor interesse em corrigir
esses erros. Somente superaremos estes erros com a mudança do sindicalismo
praticado até aqui.
Além de aumentar a solidariedade de classe,
na prática e não apenas nos discursos, a greve precisaria reforçar a
organização de base no sentido de fazer
florescer o sentimento coletivo. A burocracia sindical, ao contrário,
trabalha pela desorganização da base para a luta direta, o que impede qualquer sentimento coletivo.
Aposta todas as suas fichas no parlamento burguês e numa confusa e limitada aceitação
da “organização das escolas”.
Tudo isso deixa bastante evidente que quanto
mais “vencemos” com a direção central, mais o CPERS se afunda na perda de
direitos, na desorganização de base e na confusão. Tirar as lições dessa greve,
remover a atual direção central e mudar radicalmente o seu sindicalismo
reformista se constitui numa questão de vida ou morte se queremos ter greves
vitoriosas e um futuro sindical.
NOTAS
[ii]
Analisamos a conivência da justiça em: http://construcaopelabase.blogspot.com/2020/01/leite-ataca-o-direito-de-greve.html
[vi]
Ver: http://construcaopelabase.blogspot.com/2016/01/a-burocracia-sindical-alimenta-se-do.html
(item “e”: Educar a categoria criticando a burocracia sindical).
[viii]
Muitos ativistas “de base” ou independentes assustadoramente expressaram amplo
acordo com tal método de formação do comando de greve nas redes sociais.
[xv]
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Boitempo
Editorial, São Paulo, 2010 (página 251).
[xvi]
Idem. (página 248).
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