13 de nov. de 2019

A GUERRA HÍBRIDA NA LUTA DE CLASSES LATINO-AMERICANA



















“São secretas as matanças da miséria na América Latina.
A cada ano, silenciosamente, sem estrépito algum,
explodem três bombas de Hiroshima sobre esses povos
que têm o costume de sofrer de boca calada”
(Eduardo Galeano, As veias abertas...)

A América Latina sangra. Os ataques do capitalismo contra os povos latino-americanos desencadearam uma série de insurreições populares que romperam, em parte, o costume de “sofrer calados”. Há uma ofensiva brutal em curso contra o nosso subcontinente para aprofundar a sua escravidão. Isso ocorre em todos os países e em todas as esferas políticas. Os imperialistas do norte querem salvar a crise do capitalismo aumentando a exploração e a miséria da América Latina para usá-la na sua disputa com a China.
         O povo equatoriano se levantou contra o aumento dos combustíveis, a destruição dos direitos trabalhistas e o ajuste fiscal que a sua burguesia queria implantar no país. Serviu de exemplo para o Chile, que explodiu em protesto contra as consequências da aplicação do neoliberalismo, tendo como estopim o aumento das tarifas do metrô. Diversas greves gerais e violentos protestos de rua foram desencadeados nesses países. O ajuste fiscal no Equador e a tarifa do metrô chilena foram revogados. A luta radicalizada contra essas medidas foram as causas desse recuo momentâneo.
         A burguesia imperialista, em contrapartida, acelerou o golpe de estado na Bolívia visando destituir o governo “democrático-popular” de Evo Morales. Para isso, usou os mesmos métodos de guerra híbrida utilizados na eleição de Bolsonaro no Brasil, impondo sobre o povo boliviano um severo terrorismo de estado. Se prepara, também, para levar à vitória do neofascismo no Uruguai. O triunfo eleitoral do candidato reformista na Argentina, Alberto Fernández, ou mesmo a volta do petismo em 2022, não serão capazes de reverter a ofensiva do imperialismo contra nossos povos. Um dos objetivos do imperialismo é cercar a Venezuela para se apossar do seu petróleo visando a especulação.
         Tudo isso, a bem da verdade, já vinha se desenhando no horizonte desde o golpe parlamentar dado no Paraguai em 2012. A burocracia sindical e a “esquerda” fizeram vistas grossas frente à brutal manipulação da psicologia de massas feita pela direita neofascista, iludindo os trabalhadores com “mudanças pacíficas” e velhas receitas.

O que querem o imperialismo e a direita neofascista com os golpes na América Latina?
         A rapidez e intensidade com que estes golpes foram dados demonstra a intenção do grande capital: destruir os resquícios do Estado de bem-estar social. Na verdade, nunca existiram estados desse tipo em nosso subcontinente se comparados aos países europeus, mas apenas algumas migalhas garantidas por programas sociais, que agora estão definitivamente condenados.
         As inúmeras crises do capitalismo ao longo de sua história demonstram claramente que nenhuma delas pôde derrubá-lo por si mesma. Pelo contrário: serviram para o sistema se reinventar e introduzir novas e piores formas de exploração. A crise que hoje vivemos, como reflexo da iniciada em 2008, o demonstra claramente. Só a intervenção consciente dos trabalhadores organizados visando a superação do sistema pode derrubá-lo. No entanto, ainda estamos longe disso graças às inúmeras ideologias reformistas que imperam na vanguarda e ilusões paternalistas que adoçam a massa trabalhadora, uma servindo para alimentar a outra.
         As grandes crises do capitalismo evidenciam que este sistema possui uma grande potencialidade reestruturadora, alavancada pelo espírito prático da burguesia. É exatamente isso que está em jogo no momento. A burguesia imperialista, através do neofascismo de Trump e dos republicanos, está reestruturando o sistema para solucionar dois de seus principais problemas: 1) criar uma nova forma de organização estatal que permita a reformulação da acumulação de capital visando superar a atual tendência à queda da taxa de lucros; e 2) controlar países e mercados internos para ganhar vantagem na guerra comercial contra a China. Todos os seres humanos destes países tornam-se meras carnes de comércio ou bucha de canhão, com exceção de suas elites nacionais, que são as capitãs-do-mato de seu próprio povo. O governo Bolsonaro demonstra isso com uma clareza meridiana.
Exemplo tirado de telejornal da Globo sobre o que
se espera para o futuro econômico do país
         Nesta nova organização social, cujo objetivo é recriar a forma de acumulação capitalista, não há espaço para os serviços sociais (educação, saúde, previdência, direitos trabalhistas, etc.). A sanha assassina com que a burguesia avança sobre os povos demonstra que ela não possui alternativa a este projeto, tampouco tolerará outro. Nesse sentido, sua estratégia é arruinar qualquer soberania nacional e mercados internos, transformando os países semicoloniais em reles plataforma de exportação de matérias-primas e produtos de médio ou pouco valor agregado, como grãos, minerais e proteínas animais; tudo no contexto de submeter os trabalhadores a formas modernas de escravidão assalariada. Será a substituição do Estado-Nação por uma ordem neocolonial globalizada, de submissão direta ao imperialismo e suas transnacionais, que terão mais poder que qualquer governo ou parlamento.
         Não casualmente, frente à crise profunda do capitalismo e pressentindo seu desgaste com esta ofensiva, inúmeros intelectuais patrocinados por empresários e pela grande mídia, intensificam o velho discurso em defesa do capitalismo como o “único sistema possível” e o “mais adequado à natureza humana”, não permitindo nenhum contraponto.

A psicologia de massas do fascismo, a guerra híbrida e a atual libertação de Lula
         Para concretizar esta reestruturação, a burguesia imperialista lançou mão de refinados métodos de manipulação da psicologia de massas, que incluem fake news, confusões paranoicas típicas do anticomunismo macarthista de Olavo de Carvalho, misticismo evangélico e a manipulação através do ódio sádico de amplos setores sociais (incluso de trabalhadores), que preparam as intervenções policiais e militares. A “esquerda” não apenas não sabe fazer frente a nada disso, como se nega a discutir tais métodos afirmando ser “idealismo filosófico” ou por medo de se olhar no seu próprio espelho profundo. Ela não quer assumir o combate ao irracionalismo das massas, a sua incoerência, seu espírito infantil e a falta de responsabilidade social, por serem tarefas impopulares. Assim, a direita desfila livremente em uma avenida ideológica e política sem contraponto, derrubando governo por governo.
         Agora que o golpe foi consolidado no Brasil, Lula foi libertado para ajudar na contenção do descontentamento popular, jogando todas as esperanças para 2022. Essa é a síntese de seu discurso pós-libertação na frente do sindicato dos metalúrgicos, intercalado por demagogias que misturam sentimentos maternais (falou mais de uma vez na sua mãe) e atacando o governo Bolsonaro, mas preservando os bancos e o sistema financeiro. O petismo não pode reverter o processo em curso com seus métodos reformistas. Tal como o governo Dilma, que fez inúmeras concessões a fim de evitar o impeachment, o projeto “democrático-popular” do PT ajuda pavimentar o caminho. O mesmo fez Morales na Bolívia.

A greve do CPERS e o pacote de Eduardo Leite
         O pacote de Eduardo Leite (PSDB e comparsas) insere-se nesse contexto de destruição do antigo “Estado de bem-estar social” e criação de uma nova ordem neocolonial que internacionalizará nossas riquezas e transferirá ao povo os prejuízos. Para sustentar seu pacote, conta com o apoio das mentiras ininterruptas da grande mídia, regando com dinheiro público deputados e articuladores. Intensifica também o arrocho salarial, juntando folhas de pagamento dos servidores públicos, tal como no RJ, ao mesmo tempo em que dá pagamento extra a procuradores, juízes e mantém as isenções fiscais à empresários e bancos. O seu pacote, se aplicado, transformará o RS no Chile neoliberal, a exemplo do que quer Paulo Guedes a nível federal. É mentira que economizará dinheiro, conforme reportagem mentirosa da Gaúcha-RBS. Atenderá todos os interesses do sistema financeiro e postergará a futura crise financeira para as próximas décadas, tal como aconteceu no Chile.
         Nessas condições, a greve se impõe como inevitável. Para derrotarmos o pacote de Leite seria necessário responder como o Equador e o Chile. Porém, o trabalho prévio não foi feito pela burocracia sindical do CPERS, que condena esses métodos. Além disso, deveria se unificar não apenas com os demais servidores públicos numa unidade real (e não de cúpula), mas com todos os demais trabalhadores, subempregados, desempregados e a juventude. Para que esta greve tenha um mínimo de chance, pontuamos questões a seguir que devem ser olhadas com muita atenção: os problemas da condução burocrática da greve e o fechamento do seu comando de greve à categoria (é preciso abri-lo e elegê-lo para além das correntes); a ausência de bandeira aos contratados e a sua ameaça de demissão; o caráter imediatista da categoria (é preciso enfrentar esse debate com seriedade); a necessidade de desconstrução do discurso do governo e da mídia de que só mercado/privatização é bom e Estado é ruim; combater as ilusões no processo eleitoral burguês, seja em 2020 ou em 2022 (ir além, avançando para organização por local de trabalho para criar autonomia e responsabilidade social, debatendo uma estratégia socialista que leve em consideração esta conjuntura).
         Tanto no Chile e no Equador, quanto na Bolívia ou em qualquer país em que essas mobilizações venham a ocorrer (reeditando junho de 2013, por exemplo), mas, sobretudo, na nossa greve de agora, o desafio é avançar para a organização nos locais de trabalho, estudo e moradia, além da ocupação da grande mídia, exigindo novas formas de jornalismo. O espontaneísmo, a derrubada de um governo para colocar outro mais “moderado” e as eleições burguesas representam o limbo e a vitória do neofascismo. A conscientização, a organização e a luta por local de trabalho, a organização de movimentos sociais de cunho socialista, que apontem para além do capitalismo, representam o futuro.

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