“São secretas as
matanças da miséria na América Latina.
A cada ano,
silenciosamente, sem estrépito algum,
explodem três bombas
de Hiroshima sobre esses povos
que têm o costume de
sofrer de boca calada”
(Eduardo Galeano, As veias abertas...)
A
América Latina sangra. Os ataques do capitalismo contra os povos latino-americanos
desencadearam uma série de insurreições populares que romperam, em parte, o
costume de “sofrer calados”. Há uma ofensiva brutal em curso contra o nosso
subcontinente para aprofundar a sua escravidão. Isso ocorre em todos os países
e em todas as esferas políticas. Os imperialistas do norte querem salvar a
crise do capitalismo aumentando a exploração e a miséria da América Latina para
usá-la na sua disputa com a China.
O povo equatoriano se levantou contra o
aumento dos combustíveis, a destruição dos direitos trabalhistas e o ajuste
fiscal que a sua burguesia queria implantar no país. Serviu de exemplo para o
Chile, que explodiu em protesto contra as consequências
da aplicação do neoliberalismo, tendo como estopim o aumento das
tarifas do metrô. Diversas greves gerais e violentos protestos de rua foram
desencadeados nesses países. O ajuste fiscal no Equador e a tarifa do metrô
chilena foram revogados. A luta radicalizada contra essas medidas foram as
causas desse recuo momentâneo.
A burguesia imperialista, em
contrapartida, acelerou o golpe de estado na Bolívia visando destituir o
governo “democrático-popular” de Evo Morales. Para isso, usou os mesmos métodos
de guerra híbrida utilizados na eleição de Bolsonaro no Brasil, impondo sobre o
povo boliviano um severo terrorismo de estado. Se prepara, também, para levar à
vitória do neofascismo no Uruguai. O triunfo eleitoral do candidato reformista
na Argentina, Alberto Fernández, ou mesmo a volta do petismo em 2022, não serão
capazes de reverter a ofensiva do imperialismo contra nossos povos. Um dos
objetivos do imperialismo é cercar a Venezuela para se apossar do seu petróleo
visando a especulação.
Tudo isso, a bem da verdade, já vinha
se desenhando no horizonte desde o golpe parlamentar dado no Paraguai em 2012.
A burocracia sindical e a “esquerda” fizeram vistas grossas frente à brutal
manipulação da psicologia de massas
feita pela direita neofascista, iludindo os trabalhadores com “mudanças
pacíficas” e velhas receitas.
O que querem o imperialismo e a direita
neofascista com os golpes na América Latina?
A rapidez e intensidade com que estes
golpes foram dados demonstra a intenção do grande capital:
destruir os resquícios do Estado de
bem-estar social. Na verdade, nunca existiram estados desse tipo em
nosso subcontinente se comparados aos países europeus, mas apenas algumas
migalhas garantidas por programas sociais, que agora estão definitivamente condenados.
As inúmeras crises do capitalismo ao
longo de sua história demonstram claramente que nenhuma delas pôde derrubá-lo por
si mesma. Pelo contrário: serviram para o sistema se reinventar e introduzir
novas e piores formas de exploração. A crise que hoje vivemos, como reflexo da
iniciada em 2008, o demonstra claramente. Só a intervenção consciente dos
trabalhadores organizados visando a superação do sistema pode derrubá-lo. No
entanto, ainda estamos longe disso graças às inúmeras ideologias reformistas
que imperam na vanguarda e ilusões paternalistas que adoçam a massa trabalhadora,
uma servindo para alimentar a outra.
As grandes crises do capitalismo evidenciam
que este sistema possui uma grande potencialidade
reestruturadora, alavancada pelo espírito prático da burguesia. É
exatamente isso que está em jogo no momento. A burguesia imperialista, através
do neofascismo de Trump e dos republicanos, está reestruturando o sistema para solucionar dois de seus principais
problemas: 1) criar uma nova forma de organização estatal que permita a reformulação
da acumulação de capital visando superar a atual tendência à queda da taxa de lucros; e 2) controlar países e
mercados internos para ganhar vantagem na guerra comercial contra a China.
Todos os seres humanos destes países tornam-se meras carnes de comércio ou
bucha de canhão, com exceção de suas elites nacionais, que são as capitãs-do-mato
de seu próprio povo. O governo Bolsonaro demonstra isso com uma clareza
meridiana.
Exemplo tirado de telejornal da Globo sobre o que se espera para o futuro econômico do país |
Nesta nova organização social, cujo
objetivo é recriar a forma de acumulação capitalista, não há espaço para os
serviços sociais (educação, saúde, previdência, direitos trabalhistas, etc.). A
sanha assassina com que a burguesia avança sobre os povos demonstra que ela não
possui alternativa a este projeto, tampouco tolerará outro. Nesse sentido, sua estratégia
é arruinar qualquer soberania nacional e mercados internos, transformando os
países semicoloniais em reles plataforma de exportação de matérias-primas e
produtos de médio ou pouco valor agregado, como grãos, minerais e proteínas
animais; tudo no contexto de submeter os trabalhadores a formas modernas de
escravidão assalariada. Será a substituição do Estado-Nação por uma ordem
neocolonial globalizada, de submissão direta ao imperialismo e suas
transnacionais, que terão mais poder que qualquer governo ou parlamento.
Não casualmente, frente à crise
profunda do capitalismo e pressentindo seu desgaste com esta ofensiva,
inúmeros intelectuais patrocinados por empresários e pela grande mídia,
intensificam o velho discurso em defesa do capitalismo como o “único sistema
possível” e o “mais adequado à natureza humana”, não permitindo nenhum
contraponto.
A psicologia de massas do fascismo, a
guerra híbrida e a atual libertação de Lula
Para concretizar esta reestruturação, a
burguesia imperialista lançou mão de refinados métodos de manipulação da
psicologia de massas, que incluem fake
news, confusões paranoicas típicas do anticomunismo macarthista de Olavo de Carvalho, misticismo evangélico e a
manipulação através do ódio sádico de amplos setores sociais (incluso de
trabalhadores), que preparam as intervenções policiais e militares. A “esquerda”
não apenas não sabe fazer frente a nada disso, como se nega a discutir tais
métodos afirmando ser “idealismo filosófico” ou por medo de se olhar no seu
próprio espelho profundo. Ela não quer assumir o combate ao irracionalismo das
massas, a sua incoerência, seu espírito infantil e a falta de responsabilidade social, por serem tarefas impopulares. Assim,
a direita desfila livremente em uma avenida ideológica e política sem
contraponto, derrubando governo por governo.
Agora que o golpe foi consolidado no
Brasil, Lula foi libertado para ajudar na contenção do descontentamento
popular, jogando todas as esperanças para 2022. Essa é a síntese de seu
discurso pós-libertação na frente do sindicato dos metalúrgicos, intercalado
por demagogias que misturam sentimentos maternais (falou mais de uma vez na sua
mãe) e atacando o governo Bolsonaro, mas preservando os bancos e o sistema
financeiro. O petismo não pode reverter o processo em curso com seus métodos
reformistas. Tal como o governo Dilma, que fez inúmeras concessões a fim de
evitar o impeachment, o projeto
“democrático-popular” do PT ajuda pavimentar o caminho. O mesmo fez Morales na
Bolívia.
A greve do CPERS e o pacote de Eduardo
Leite
O pacote de Eduardo Leite (PSDB e
comparsas) insere-se nesse contexto de destruição do antigo “Estado de
bem-estar social” e criação de uma nova ordem neocolonial que
internacionalizará nossas riquezas e transferirá ao povo os prejuízos. Para
sustentar seu pacote, conta com o apoio das mentiras ininterruptas da grande
mídia, regando com dinheiro público deputados e articuladores. Intensifica
também o arrocho salarial, juntando folhas de pagamento dos servidores
públicos, tal como no RJ, ao mesmo tempo em que dá pagamento extra a
procuradores, juízes e mantém as isenções fiscais à empresários e bancos. O seu
pacote, se aplicado, transformará o RS no Chile neoliberal, a exemplo do que
quer Paulo Guedes a nível federal. É mentira que economizará dinheiro, conforme
reportagem mentirosa da Gaúcha-RBS. Atenderá todos os interesses do sistema
financeiro e postergará a futura crise financeira para as próximas décadas, tal
como aconteceu no Chile.
Nessas condições, a greve se impõe como
inevitável. Para derrotarmos o pacote de Leite seria necessário responder como
o Equador e o Chile. Porém, o trabalho prévio não foi feito pela burocracia
sindical do CPERS, que condena esses métodos. Além disso, deveria se unificar não
apenas com os demais servidores públicos numa unidade real (e não de cúpula),
mas com todos os demais trabalhadores, subempregados, desempregados e a
juventude. Para que esta greve tenha um mínimo de chance, pontuamos questões a
seguir que devem ser olhadas com muita atenção: os problemas da condução
burocrática da greve e o fechamento do seu comando de greve à categoria (é
preciso abri-lo e elegê-lo para além das correntes); a ausência de bandeira aos
contratados e a sua ameaça de demissão; o caráter imediatista da categoria (é
preciso enfrentar esse debate com seriedade); a necessidade de desconstrução do
discurso do governo e da mídia de que só mercado/privatização
é bom e Estado é ruim; combater
as ilusões no processo eleitoral burguês, seja em 2020 ou em 2022 (ir além,
avançando para organização por local de trabalho para criar autonomia e responsabilidade social, debatendo uma
estratégia socialista que leve em consideração esta conjuntura).
Tanto no Chile e no Equador, quanto na
Bolívia ou em qualquer país em que essas mobilizações venham a ocorrer
(reeditando junho de 2013, por exemplo), mas, sobretudo, na nossa greve de
agora, o desafio é avançar para a
organização nos locais de trabalho, estudo e moradia, além da ocupação da
grande mídia, exigindo novas formas de jornalismo. O espontaneísmo, a derrubada
de um governo para colocar outro mais “moderado” e as eleições burguesas
representam o limbo e a vitória do neofascismo. A conscientização, a
organização e a luta por local de trabalho, a organização de movimentos sociais
de cunho socialista, que apontem para além do capitalismo, representam o futuro.
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