As
“greves gerais” convocadas para os dias 15 de maio e 14 de junho levaram
milhares de pessoas às ruas, mas também colocaram um problema fundamental não
debatido pelo movimento sindical: o que fazer após estas mobilizações? As
“greves gerais” com data e hora marcada foram bastante divulgadas, mas não
tiveram nenhum tipo de trabalho de base real prévio, que acabou levando uma
massa para a rua sem nenhum tipo de ligação, organização ou programa. Sendo assim,
estas “greves gerais” se tornam presas fáceis dos governos, da mídia e do
próprio desânimo dos manifestantes, que sucumbem como resultado da falta de
perspectiva.
A falta de perspectiva, porém, existe
apenas para os manifestantes independentes. As grandes centrais sindicais
seguem à risca o seu cronograma de fazer manifestações pontuais que não
questionam nenhum pilar da institucionalidade e do sistema, focando apenas em
determinadas políticas de governo com a finalidade de desgastá-lo visando as
próximas eleições.
Esta postura não tem nos levado a lugar
nenhum, bem como as “greves gerais” de apenas 1 dia! Basta olharmos para a
Grécia e a Argentina – países que foram campeões de “greves gerais” deste tipo.
A Grécia continua esmagada pela Troika,
que terminou por impor “acordos financeiros” que engendram a sua futura crise
econômica; e a Argentina acabou por eleger o famigerado governo de Maurício
Macri, que está aplicando impiedosamente os planos do FMI. Por aqui, seguimos
para o mesmo desfiladeiro, sem nenhuma perspectiva além da institucionalidade
burguesa e do capitalismo. As direções das centrais estão perfeitamente
conscientes do uso de tais tipos de “greves”. A “esquerda” (tanto as grandes,
quanto as pequenas organizações) está satisfeita com estes movimentos. Criticam
determinados pontos da política das centrais, mas não veem problema algum neste
“método” de “greve geral”. Portanto, não há questionamento real destas
direções, que se vendem como “lutadoras” ao convocarem estas “greves”, que na
verdade não passam de um dia nacional de
lutas.
A energia do movimento dos
trabalhadores tem sido usada, desde então, para fins exibicionistas das
centrais sindicais ultra burocratizadas
e institucionalizadas; não servindo para preparar uma organização superior de
sindicalismo que possa abrir caminho para saídas revolucionárias visando novas
formas de organização social. Assim, estas “greves gerais” tem se constituído
em verdadeiras válvulas de escape do
descontentamento popular, terminando por aliviar a panela de pressão do sistema.
Na atual conjuntura, parte fundamental da contenção das massas tem se dado,
justamente, a partir destas propostas inconsequentes de “greve geral” sem
continuidade, organização, trabalho de base e coerência com uma transformação
revolucionária da sociedade. Para fins eleitoreiros, em contrapartida, servem
perfeitamente! É por isso que quem não compreende este “pequeno detalhe” e
convoca tais “greves gerais” na expectativa de que elas mudem a conjuntura,
acaba ajudando a sustentar toda esta farsa.
Não foi casual que enquanto a CUT
posava de combativa para todos os movimentos sociais, governadores petistas
estavam sentados com o governo Bolsonaro (PSL e comparsas) para “negociar
pontos da Reforma da Previdência”[i].
Sobre a adesão
Ficou visível que adesão à greve se
restringiu ao funcionalismo público (educação e saúde) e à juventude. Algumas
categorias se mobilizaram parcialmente, como petroleiros e bancários. No
entanto, a maioria esmagadora do setor privado ficou alheia ao movimento,
incluindo os rodoviários. Para tentar reverter o quadro, fizeram piquetes nas
portas das empresas de transporte público, mas sem um trabalho de base prévio
nestas categorias não é possível impor a adesão (a não ser, é claro, que se
tratasse de uma greve de massas realmente e apenas os rodoviários se recusassem
a parar). Tudo isso demonstra claramente que há muito a ser feito, exigindo de nós um novo curso sindical e uma reformulação de todo o trabalho de base.
Grande parte da preparação, dos debates
e dos calendários de mobilização foram feitos ou divulgados apenas nas
vésperas, sem nenhuma consequência ou relação entre si. Se não há clareza e
organização suficiente não é possível deflagrar uma greve geral. Poderemos
derrotar governos decididamente empenhados em nos retirar direitos, que além de
tudo contam com o apoio da grande mídia e do empresariado, fazendo uma “luta”
com esta disposição e estado de espírito?
O duplo poder nas greves
gerais verdadeiras
As grandes greves gerais da história
foram antessalas de revoluções. Em 1905, na Rússia, deram à luz aos sovietes, que eram os conselhos
operários e populares que tomariam o poder em 1917. No Brasil, também em 1917,
tivemos uma adesão massiva a uma greve que paralisou toda a produção. Para isso
existiu um longo trabalho de base prévio e determinadas condições.
Em Porto Alegre surgiu a Liga de Defesa Popular, que servia como uma espécie de duplo poder
entre o governo Borges de Medeiros e os grevistas, levando à reorganização de
todo o funcionamento de serviços municipais de vital importância, como
transportes e a própria produção e distribuição. Em São Paulo surgiram as ligas
e corporações operárias, que culminaram no Comitê
de Defesa Proletária. Estes organismos tomaram o controle da cidade por 30
dias. Leite e carne só eram distribuídos a hospitais e, mesmo assim, com
autorização da comissão de greve. O governo acabou abandonando a capital. Além
disso, decretaram liberdade a todas as pessoas detidas por motivo de greve.
Outras conquistas econômicas e sindicais também foram arrancadas da burguesia[ii].
Vivemos hoje exatamente o oposto:
estamos na defensiva, a burguesia organiza governos neofascistas, as
manifestações não têm coerência e perspectiva, muito menos apostam em
organismos como os de 1917. Sem falar que grande parte do setor privado segue
alheio ao movimento. Parte fundamental disso se deve ao caráter das direções
sindicais e políticas da “esquerda”. Simplesmente “radicalizar” o movimento com
ações descoladas da massa ou com palavras de ordem artificiais (“fora este ou aquele” sem correlação de
forças, dentre outras) não resolve o problema, mas o agrava. Mudar estes
métodos estéreis exige uma luta firme, consequente e de longo prazo contra as
burocracias sindicais, o espontaneísmo e a impaciência; sobretudo mantendo
coerência entre os métodos de agitação, propaganda e de organização dos
trabalhadores pela base. Nessa perspectiva é fundamental combater toda e
qualquer política deslocada da real correlação de forças entre os trabalhadores
e a burguesia.
Ao invés de acumular forças – como
sonham ativistas e organizações de esquerda –, estas “greves gerais” apenas
dissipam energias. É por isso que pra mudar o curso delas, o primeiro passo é
não participar de tais “movimentos” acriticamente como se estivéssemos no
caminho correto, fingindo que não vemos e sentimos todas as suas contradições.
NOTAS
[i] Ver:
[ii] https://pt.wikipedia.org/wiki/Greve_geral_no_Brasil_em_1917 ; ver também “A
greve geral de 1917 – as origens do trabalhismo gaúcho” de Miguel Bodea.