Após o golpe do impeachment se abriu uma ofensiva da
direita contra os trabalhadores. Com a condenação de Lula pelo TRF-4 chegamos a
uma nova etapa desta ofensiva, visando insuflar o ódio da classe média contra o
PT e, a partir deste, contra toda a esquerda. A semeadura da confusão é diária,
sobretudo por parte da grande mídia, mas também se aprofunda a partir de
setores da “esquerda”.
Vemos, de um lado, os ataques
ininterruptos e parciais contra a principal liderança petista, enquanto que
notórios corruptos do PSDB, PMDB, PP e outros, não apenas saem ilesos, como têm
seus processos escandalosamente arquivados. Alguns poucos são usados como bodes
expiatórios (como o caso de Sérgio Cabral e Eduardo Cunha) para se passar a
ideia de que “algo está sendo feito contra a corrupção neste país”. Ledo
engano! Primeiro porque os principais corruptores e o sistema que permite que a
corrupção siga livre – isto é, o capitalismo –, estão plenamente operantes;
segundo, porque todos os principais atos destes “corruptos presos” (tal como o
próprio impeachment liderado por
Eduardo Cunha com o pagamento de cerca de 1 milhão de reais para cada
parlamentar que votou por ele) não foram anulados. As instituições
democrático-burguesas, com especial destaque ao Congresso Nacional, seguem
abrigando uma gama indescritível de corruptos que continuam operando como
sempre fizeram: utilizando-se de infindáveis negociatas. Da mesma forma, os
grandes bancos, empresas e a mídia continuam corrompendo, manipulando e
distorcendo, sem nenhum tipo de controle ou punição.
O suposto “combate à corrupção” foi
transformado num espetáculo sombrio, cuja única intenção é criminalizar Lula, o
PT e a esquerda. Lula não está sendo condenado por corrupção. A burguesia
brasileira jamais condenaria um político por isso (e o seu sistema judiciário,
sua mídia, seus partidos e personalidades tampouco tem moral para condenar
alguém). Isso significaria condenar a si própria. Ela está condenando a
história pregressa de Lula, querendo desmoralizar a primeira trajetória do PT. De quebra, quer dar a entender que todo
o movimento se perverte; que Lula é apenas mais um; que não há saída senão
submeter-se à sociedade tal como ela é, aceitando os partidos tradicionais, a
corrupção tradicional, o poder absolutista do mercado e do sistema financeiro.
Seu objetivo imediato é impedir a candidatura de Lula à presidência, uma vez
que, em razão da crise internacional, esta é um estorvo momentâneo para o
sistema financeiro e para o imperialismo norte-americano; não porque o PT e
Lula representem um programa “socialista” e de “esquerda” (como os setores
doentios da classe média e parte da mídia sustentam), mas porque o programa democrático-popular do PT disputa as
verbas públicas para projetos assistencialistas compensatórios (como Bolsa
Família, Minha Casa Minha Vida, etc.). Em nenhum dos casos este programa democrático-popular pode solucionar os
graves problemas sociais, políticos e econômicos do país, e tampouco representa
o “socialismo” ou o “comunismo”, como os McCarthistas
brasileiros patologicamente defendem; embora comprometa parte do orçamento com
gastos inadmissíveis para o imperialismo neste momento (e este é o real motivo),
além do seu alinhamento político com os BRICs. A direita, por sua vez,
apresenta o mesmo programa colonial de sempre: subordinação total e
incondicional ao imperialismo capitalista, submetendo o país à uma ditadura
militar se necessário for.
Os trabalhadores conscientes e as
oposições sindicais classistas não devem titubear: precisam defender a esquerda
e o programa socialista desta verdadeira cruzada direitista e midiática, cuja
finalidade última é destruir os direitos dos trabalhadores, levando o programa
neoliberal até as últimas consequências no Brasil e no mundo. Estes ataques são
os principais sintomas da decadência histórica do capitalismo, que se expressam
nesta cruzada para aumentar a exploração sobre os trabalhadores, disfarçadas
com frases sobre “modernização” e “liberdade”. A “modernização” que a burguesia
imperialista e o sistema financeiro internacional almejam é a transformação do
mundo todo numa grande China, com salários miseráveis, regimes de trabalho
semi-escravo de estafantes jornadas de trabalho e a desregulamentação do
mercado e do sistema financeiro para a livre especulação dos grandes magnatas
banqueiros. Quer a volta da “livre” exploração da força de trabalho, tal como
vigorou durante a revolução industrial inglesa do século 19.
***
O PT, por sua vez, não visa uma luta
contra tudo isso. Ao contrário, pretende apenas restaurar a velha ordem
“democrático-burguesa” que possibilitou os seus governos. Faz uma leitura
limitada do golpe e tampouco pretende questionar o sistema e suas instituições.
Novamente serve como contenção para as lutas, deixando-as restritas ao marco
aceitável para a burguesia. Sendo assim, não pode derrotar o golpe, aplainando
o caminho para novos golpes. Pelo programa, tática e estratégia do PT não é
possível fazer uma incursão profunda sobre as raízes deste golpe, bem como
afiar nossas armas para estarmos a altura do embate contra a elite econômica
nacional, que está alinhada ao imperialismo ianque.
Todas estas limitações se expressam nas
palavras de ordem lançadas pelo PT e seus aliados contra o golpe e a condenação
de Lula. O petismo se submete e tenciona os trabalhadores a também se submeterem
à falsa polarização eleitoral e política do país. Nas eleições mantinha-os
reféns da seguinte bandeira: “votar no PT
para evitar a volta da direita”. Na luta contra o golpe mudou o discurso,
mas manteve a lógica. Frisamos a importância de se posicionar contra o golpe,
embora isso não possa significar, de maneira alguma, a submissão política ao
PT. Novamente os movimentos sociais estão sendo educados na perspectiva de que
existem apenas dois caminhos políticos: o PT ou a direita. Qualquer crítica ao
PT é vista dogmaticamente como apoio ao golpe: ou seja, o PT se torna
incriticável, baixando uma verdadeira “censura” (expressa no ranço que seus militantes
lançam àqueles que criticam honesta e programaticamente o partido), impedindo o
debate e a reflexão que permitiriam a busca por uma nova estratégia e novas
táticas. O inverso também é verdadeiro: ponderar os ataques midiáticos ao PT é
visto por qualquer membro doentio da classe média – verdadeiros fanáticos da
direita – como apoio ao petismo.
Por
que somos contra esta lógica? Pela seguinte razão: ficar refém desta dicotomia
e se alinhar politicamente ao PT significa se submeter à limitação de combater a
direita apenas de dentro do campo democrático burguês (ou seja, a submissão ao
campo e às regras do inimigo). Para
derrotar o golpe e a ofensiva da direita precisamos afiar nossas armas e nossas
táticas para ir muito além disso. É esta submissão política e programática ao
regime democrático-burguês que levou o PT, ao seu modo, a aplicar projetos
neoliberais de retirada de direitos contra os trabalhadores.
Querendo demonstrar-se aceitável para a
burguesia (ou “pós-moderno”?), o PT exalta e defende as instituições
democrático-burguesas sempre que pode, inclusive ignorando assustadoramente o
fato de que foram elas que permitiram e facilitaram o golpe do impeachment. Continuamos insistindo que
a democracia burguesa é uma farsa (e gestará novos e piores golpes contra os
trabalhadores)! Devemos ser contra o golpe do impeachment, por tudo o que ele significa, mas não podemos cair, em
hipótese alguma, na defesa da democracia burguesa. Ser contra o golpe significa
hoje defender as liberdades democráticas mínimas, o que não pode se confundir
com a defesa da democracia burguesa enquanto regime político e o capitalismo
como sistema econômico. A “democracia” na sociedade capitalista continua a ser,
de certa forma, o que foi na Grécia antiga e no regime partidário do Brasil imperial:
uma liberdade de senhores fundamentada na escravidão. Os escravos assalariados
de hoje, em consequência da exploração capitalista, vivem de tal forma
brutalizados pelas necessidades cotidianas e pela miséria, que não possuem
tempo para se ocupar com “democracia” ou com “política” (e jamais poderiam
interferir na política burguesa de fato). É por isso que o Le Monde Diplomatique (Brasil) acerta ao dizer que “o foco do poder não está na política, mas
na economia”, embora não apresente nenhuma tática para combater o sistema,
interferir na economia e condene como “utópico” quem apresenta.
Outro problema digno de menção é como a
estratégia do petismo condiciona a ação política a um imediatismo bárbaro,
tornando os trabalhadores e o movimento sindical reféns das eleições burguesas.
A sua preocupação central é disputar as eleições com um candidato “viável”,
capaz de fazer frente ao aparato midiático, político e financeiro das outras
candidaturas. Para muitos militantes do PT as principais lições do golpe não
foram tiradas, deixando o caminho aberto para se cometerem os mesmos erros. Infinitamente
mais importante do que pensarmos em um “nome viável”, numa “vitória eleitoral”
(que como vimos com o impeachment, é
fugaz e totalmente passível de novos golpes), é preciso debater qual a estratégia,
o que queremos enquanto “esquerda”, qual o nosso objetivo: somos socialistas ou
renunciamos ao socialismo? Se não somos socialistas, o que queremos de fato? “Humanizar
o capitalismo” e as suas instituições? Ou se queremos o socialismo, como
pretendemos chegar nele: pelas eleições ou por uma revolução? A nossa preocupação central deve ser eleger um
presidente para que este possa fazer uma suposta “reforma política” preservando
as bases econômicas do capitalismo? A cada resposta que dermos a essas
perguntas criaremos um futuro, uma tática e uma estratégia diferentes.
A estratégia deve ser: ou transformamos
a luta de resistência contra o golpe numa luta contra o sistema capitalista,
debatendo um novo programa, novas táticas e estratégias que superem o
assistencialismo petista, com organização pela base, destruição da burocracia
sindical, formação teórica e política; ou os golpistas nos derrotarão, senão
totalmente, pelo menos estabelecendo uma nova correlação de forças onde a
direita continuará exercendo o poder político e econômico, e os trabalhadores
viverão ameaçados permanentemente com a espada de Dâmocles prestes a cair nas
suas cabeças a qualquer virada de conjuntura.