3 de mar. de 2020

PARASITISMO, DÓLAR ALTO E ÓDIO DE CLASSE: A POLÍTICA ECONÔMICA DE PAULO GUEDES



A espinha dorsal do governo Bolsonaro (que está no ilegal partido Aliança pelo Brasil, sustentado por um leque de partidos comparsas) é a política econômica comandada pelo ministro da fazenda, Paulo Guedes. Orgulhosamente filiado à Escola de Chicago – a mesma que elaborou todas as principais políticas econômicas neoliberais anti-povo das últimas décadas, lançando milhões de trabalhadores na miséria –, Paulo Guedes tem a árdua tarefa de destruir os serviços públicos, retirar direitos e privatizar tudo o que conseguir, garantindo o Estado brasileiro como o principal fiador do lucro privado.
        Paulo Guedes e Bolsonaro, como capachos menores do imperialismo estadunidense, têm o desafio de colocar o Brasil a serviço de salvar os países do centro da crise do capitalismo mundial e, secundariamente, a elite brasileira, com a difícil tarefa de realizar isso com mais capitalismo; trocando em miúdos, precisam trabalhar arduamente para controlar as labaredas que resultarão da complexa arte de apagar fogo com gasolina.
        As políticas econômicas de Guedes, que o governo Bolsonaro pretende implantar, têm finalidades econômicas bem claras. Não se tratam apenas de um ultraneoliberalismo, mas da busca por um novo funcionamento político e estatal que facilite uma nova forma de acumulação capitalista, muito mais perniciosa que a atual – daí a proposta de fim dos serviços públicos, da previdência, dos direitos trabalhistas, etc. Pretende, com o aval e o apoio do imperialismo de Trump, alinhar os países semicolonais do hemisfério ocidental para fazer frente ao “imperialismo chinês”. Nesse sentido, a imposição do ajuste fiscal nos países periféricos visa acabar com os resquícios do Estado de bem estar social – que na verdade nunca existiu plenamente no Brasil – aumentando a exploração sobre o proletariado no sentido de possibilitar a mesma taxa de lucro e as mesmas garantias financeiras dadas pelo Estado que caracterizam o atual capitalismo chinês[i].
        Um dos principais sintomas do esgotamento do modo de produção capitalista é a lei da queda tendencial da taxa de lucros, já prevista por Marx há quase 2 séculos. De onde, então, a burguesia compensa esta tendência à queda da taxa de lucro? Do inimigo número 1 dos neoliberais: da intervenção do Estado! O tesouro nacional funciona como uma espécie de fiador do capital financeiro geral; isto é, como o pressuposto do lucro privado. Nesse caso, eles se tornam os maiores defensores da intervenção do Estado na economia[ii]. Bolsonaro e Guedes aparelharão o Estado, transformando-o numa máquina do neofascismo: fake news, ataques irracionais ininterruptos, assassinatos nas periferias e nos movimentos sociais; no campo econômico darão benesses sem fim ao capital nacional e internacional, nos fazendo retroceder à exploração do capitalismo do século XIX. É nesse contexto que insere-se a Reforma da Previdência, o Pacote de Eduardo Leite (PSDB) e dos demais governadores; bem como a atual MP 905 que pretende legalizar a carteira de trabalho “verde e amarela”, isto é: o fim da CLT e dos direitos trabalhistas.
        Para sustentar esta política econômica monstruosa, que garante o parasitismo agiota dos bancos, das grandes empresas e dos monopólios multinacionais, lançando centenas de milhares de pessoas na incerteza do desemprego e na miséria, Guedes precisa recorrer no campo político aos ataques mais baixos e odiosos, apoiando-se na psicologia de massas criada pelo mirabolante time de ministros do governo Bolsonaro[iii] – Damares Alves, Abraham Weintraub, Paulo Alvim, Ônix Lorenzoni e Augusto Heleno; todos eles evangélicos e olavistas (se não por convicção, pelo menos por vocação).
        É assim que temos que entender as declarações histriônicas de Guedes contra os funcionários públicos, o dólar alto e as empregadas domésticas. Desnecessário dizer que o governo Bolsonaro e Guedes contam com a importante retaguarda da grande mídia comercial, que potencializa ou pacifica as declarações do governo, dando o suporte logístico a tudo o que diz respeito à política econômica. Nesta “liberdade de imprensa” só há espaço para uma posição política até a exaustão! Assim, este texto pretende lançar um olhar um pouco mais crítico sobre essas declarações, buscando as suas raízes mais profundas.

a) Quem é o verdadeiro parasita?
        Recentemente Paulo Guedes chamou os funcionários públicos de “parasitas”. O objetivo é claro: jogar trabalhador da iniciativa privada contra os do setor público, visando apoio político para dar fim à estabilidade no serviço público e preparando a demissão de largos contingentes de servidores. Como uma orquestra bem ensaiada, não demorou para que a declaração fosse replicada por centenas de grandes jornais em todo o país. Zero Hora, por exemplo, estampou uma pequena manchete na sua capa tratando de forma supostamente “imparcial” a declaração. Notórios parasitas – como o jornalista apoiador da ditadura militar, Alexandre Garcia – escreveram reportagens e colunas nestes periódicos. Garcia publicou a sua no Correio do Povo de 12 de fevereiro, fazendo analogia com o filme ganhador do Oscar e contrapondo os “carregadores de piano” – aqueles que fazem tudo – contra os “que não fazem nada”, apenas “colocam o paletó no espaldar da cadeira” e “ficam de enganação dias, meses e anos”[iv]. Não é necessário descrever como a classe média bolsonarista sorri de prazer com tais declarações de Guedes e de Garcia, feitas sob medida.
        Para este jornalismo mercenário, a sangria desatada das contas públicas não seria o resultado do parasitismo do sistema financeiro, que saqueia o orçamento federal através da dívida pública impagável, mas o salário, o plano de carreira e a previdência dos servidores. Esta mentira grosseira, repetida incansável e criminosamente pela grande mídia, visa uma lavagem cerebral para justificar o fim dos serviços públicos.
        Por certo existem problemas em relação a qualidade de muitos serviços públicos prestados, já que estes se encontram em condições profissionais cada vez mais precarizadas. Portanto, partimos do pressuposto que isso jamais pode ser cobrado por políticos neoliberais e os seus jornalistas, uma vez que eles não tem autoridade alguma, já que são os principais responsáveis por aprofundar a precarização infra-estrutural, material e financeira dos serviços públicos. Os únicos que podem criticar tais problemas são os próprios servidores – aqueles que, no linguajar de Alexandre Garcia, “carregam o piano” contra aqueles que “só deixam o paletó na cadeira” – e, obviamente, os usuários; isto é, a população pobre. Toda crítica deve ser feita com uma escala que lhe seja adequada e não com o olhar sedento de quem tem todo o interesse de colocar a mão nas suas verbas.
        Guedes quis matar dois coelhos com uma cajadada só. Além de agradar a classe média e o sistema financeiro, quis também jogar os trabalhadores do setor privado contra o público. A política sindical das centrais e dos principais sindicatos do país não rompe com o corporativismo e o economicismo, o que favorece as críticas neoliberais, uma vez que ficam sem resposta teórica e prática. É importante ressaltar ainda que nem todos os trabalhadores do serviço público tem estabilidade. Há muitos contratos “emergenciais” em diversos setores do funcionalismo, o que demonstra que, na prática, a estabilidade já não existe para quase a metade do quadro de servidores. Soma-se a isso outras mentiras escabrosas, como aquela que afirma que “o Brasil tem muitos servidores públicos”. Comparado a outros países menores geograficamente, o Brasil tem bem menos servidores conforme atesta pesquisa da OCDE[v].
        Os salários dos servidores públicos não são altos, como tenta acusar Paulo Guedes. São baixos, embora altos se comparados a muitas categorias do setor privado e, principalmente, dos setores subempregados. É aí que reside a chantagem de Guedes, que ao invés de atacar o empresariado, quer baixar o do funcionalismo, nivelando tudo por baixo. Seria importante unificar a luta de toda a classe trabalhadora por aumento salarial geral e permanente, e não deixar sem resposta as provocações do governo dos monopólios empresariais e do sistema financeiro. Uma grande agitação pública nacional sobre isso, baseando-se num esclarecimento detalhado, seria fundamental.
        Nesta história toda, o único parasita que existe é o próprio sistema financeiro, o agronegócio e os empresários que sugam os recursos públicos incessante e progressivamente, não dando nenhum retorno produtivo para o povo. Ao contrário: pela sua própria natureza econômica, quanto mais prósperos, mais deixam o povo brasileiro miserável. Os agiotas do sistema financeiro – meio de onde provém o próprio Paulo Guedes e escórias como Rodrigo Maia (DEM) – vivem de rendas absurdas e de juros extorsivos (os juros do cartão de crédito que o digam), tornando a dívida pública ilegítima e praticamente impagável – um verdadeiro vínculo de parasitismo! Imaginem agora estes canalhas, salteadores e trambiqueiros profissionais imbuídos de poderes de Estado? Para eles o ataque é o melhor disfarce!

b) O dólar alto é bom para quem?
        Não satisfeito com tais mentiras monstruosas, Paulo Guedes tenta justificar o injustificável, afirmando que “dólar alto é bom”. Isso rompe com uma série de declarações públicas da direita neofascista que queria justificar a alta do dólar como resultado inevitável de não estarem no poder: “se tirar a Dilma o dólar cai”; “se fizermos a reforma trabalhista, o dólar cai”; “se aprovar a ‘reforma’ da Previdência, o dólar cai”; e, por fim: “se elegermos Bolsonaro e o Paulo Guedes, o dólar cai”. Tudo isso foi feito e o dólar continuou subindo. Mas os apoiadores do governo Bolsonaro, em contrapartida, aceitam acriticamente qualquer coisa que venha do governo. Foi para isso que os adestraram cuidadosamente!
        Com o dólar alto Paulo Guedes atinge uma de suas principais finalidades: atender os interesses do setor empresarial agro-exportador; em especial, o agronegócio ligado à exportação de soja. A burguesia brasileira agrária, que tem historicamente sua produção voltada ao mercado internacional, prefere receber em dólares, uma vez que a conversão para moeda nacional lhe concentrará ainda mais renda[vi]. Para ela, dólar alto significa uma conversão em reais mais generosa. Já para o povo, significa desvalorização da moeda nacional, inflação, aumento dos preços, perda do poder de compra e, portanto, aumento da pobreza.
        O sistema financeiro também agradece, pois o encarecimento do dólar lhe garante mais concentração da moeda brasileira e aumenta o volume de captação de reais no mercado financeiro, o que possibilita um maior controle político e econômico sobre o mercado nacional. Soma-se a isso os lucros auferidos no chamado swap cambial. Isto é, o Banco Central (BC) oferece um contrato de venda de dólares com data de encerramento definida, mas não entrega a moeda norte-americana. No vencimento desses contratos, o “investidor” se compromete a pagar uma taxa de juros sobre o valor deles e recebe do BC a variação do dólar do período em que vigorou o contrato. Esses contratos servem também para dar garantias aos agiotas que têm dívida em moeda estrangeira – neste caso, quando o dólar sobe, eles recebem sua variação do BC[vii]; e, portanto, quem paga as transações destes “empreendedores” e destas empresas é o erário público, o Estado, transformando dívida privada em dívida pública em razão da alta do dólar.
        Os objetivos do imperialismo ianque de Trump, Bolsonaro e Guedes, portanto, estão se tornando realidade. Como, na prática, eles significam um aumento da miséria do povo, precisam intensificar a gritaria histriônica, com distorções monstruosas da realidade para justificar que “fazem a coisa certa” e atacar quem questiona – com o total apoio da grande mídia!
        Emissoras como a Rede Globo vêm fazendo algumas críticas pontuais – sobretudo nos seus programas de humor – às escandalosas ações e medidas do governo Bolsonaro e, até mesmo, a João Dória (PSDB). Isso engana muita gente. Os bolsonaristas são os primeiros a espernear contra a Globo. Porém, no essencial da política econômica de Paulo Guedes, quase todas as empresas da grande mídia não estão apenas de mãos dadas com o governo, mas lhes fornecem todo o suporte político e ideológico necessário.

c) As “viagens” das empregadas domésticas e o ódio de classe; ou como Paulo Guedes age encarnando o escravocrata moderno
        Pra finalizar o show de horror, aplaudido com uma estupidez sem precedentes pela plateia adestrada do bolsonarismo, Paulo Guedes justificou a alta do dólar como positiva, pois inviabilizaria as viagens internacionais dos pobres. Nas palavras de Guedes: “empregada doméstica estava indo pra Disney, uma festa danada (...) Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que tá cheio de coisa bonita pra ver”[viii].
        A mentira é flagrante, porque a maior parte das empregadas domésticas sequer conseguiria Visto para entrar nos EUA; porém, os seus estragos ideológicos são feitos e, principalmente, o diálogo aristocrático com a classe média, que entende o recado e fica envaidecida com o reconhecimento que é superior à ralé brasileira, condenada a jamais fazer uma viagem internacional. Guedes justifica as diferenças abismais entre as classes sociais, ao mesmo tempo em que angaria apoio para a alta do dólar – a sua real intenção. Se a classe média real perde concretamente com a alta do dólar – já que ela foi enganada com as mentiras de que o dólar baixaria com a eleição de Bolsonaro –, ela ganha em capital cultural e simbólico, além de acumular um status social inútil: o reconhecimento aristocrático de que apenas a burguesia e ela podem ir à Disney e fazer viagens internacionais. Ou seja, sente-se incluída no círculo daqueles que se consideram donos do Brasil.
        A frase de Guedes lembra muito a do bandeirante Domingos Jorge Velho, o algoz do Quilombo dos Palmares. Ele teria dito em um requerimento ao Rei de Portugal que: “os negros andavam já tão desaforados e soberbos, que seus senhores não ousavam nem a lhes falar como tais”[ix]. O que Bolsonaro e Guedes pretendem é exatamente isso: aprofundar a escravidão assalariada, jogando uns contra os outros, e ainda acusar os escravos de parasitismo! Tamanhos crimes não serão derrotados com a conciliação e o reformismo petista, que respeita as regras do jogo do inimigo que o próprio inimigo ignora. Para destruir o monstro neofascista há que se tirar conclusões mais profundas e mais radicais, uma vez que pelas declarações nada moderadas e visceralmente extremistas dos representantes do governo Bolsonaro, eles não estão pra brincadeira...


NOTAS


[iv] Correio do Povo, 12 de fevereiro de 2020, página 4.
[ix] FREITAS, Décio. Palmares: a guerra dos escravos – 4ª edição. Biblioteca de Históra, Editora Graal, Rio de Janeiro, 1982 (página 151).