As
“greves gerais” marcadas pelos sindicatos e pelas centrais para o dia 15 de
maio e 14 de junho demonstram uma tendência do movimento sindical que deve nos
causar preocupação. Tornou-se comum entre quase toda a “esquerda” brasileira a
defesa da “greve geral”, evidenciando que há, de fato, grande unidade em torno
desta palavra de ordem. Por que, então, a “greve geral” não se torna uma
realidade ou não chega nem perto de atingir suas reivindicações?
Os ativistas honestos dirão que é em
função de ser convocada por apenas 1 ou 2 dias, portanto, em razão do tempo
determinado. Acrescentarão ainda que se trata da falta de trabalho de base, da
crise de confiança nas direções sindicais, etc. Tudo isso é verdadeiro, mas o
problema é muito mais profundo: a “esquerda” tem proposto “greves gerais” de
forma artificial, geralmente pra esconder sua falta de política para o
cotidiano, aparentando uma combatividade estéril.
É certo que muitos ativistas honestos e até mesmo
pequenas organizações propõem “greve geral” sem nenhuma outra intenção do que a
luta verdadeira, mas sem perceber (ou sem querer perceber) que estão levando
água para o moinho das burocracias políticas e sindicais maiores. Estas
praticam verdadeiros crimes contra os trabalhadores, abusando das suas ilusões
e alimentando-as cada vez mais.
As burocracias sindicais e a
“greve geral”
Tornaram-se comuns as “greves gerais”
de 1 ou 2 dias na América Latina e na Europa. Elas se caracterizam mais por serem
dias de luta ou paralisação de algumas poucas categorias do que “greves”, uma
vez que não existe um autêntico movimento grevista vindo da base, mas uma data
pré-fixada e descolada dos locais de trabalho. Também não levam em consideração
os milhares de subempregados e desempregados. As burocracias sindicais têm
realizado dois tipos de “greve gerais”: nos momentos revolucionários, para
esvaziar o descontentamento popular, tal como aconteceu na Grécia e na França;
e em momentos não revolucionários, onde a “greve geral” é usada para defender
ou desestabilizar governos burgueses e tentar mudar a correlação de forças
dentro dos parlamentos burgueses.
Estes tipos de “greve geral” vêm se
popularizando cada vez mais no Brasil, ao ponto de se tornar bandeira de quase todas
organizações, partidos de “esquerda”, centrais ou sindicatos. No CPERS não é
diferente. A direção central e a quase totalidade das correntes sindicais
fizeram aprovar que: “dia 15/05 é a data
indicativa para as Centrais Sindicais realizarem a Greve Geral da Classe
Trabalhadora”. Os ativistas do CPERS ainda afirmam que “a força da mobilização do dia 15 é crucial para criar as condições
para a greve geral em junho”.
A direção central do CPERS vai ainda
mais longe ao afirmar, no Sineta de março de 2019, que a greve geral de 2017 barrou a “reforma” de Temer. Tamanho
delírio não é um equívoco, mas uma aposta consciente numa válvula de escape
para a panela de pressão popular. Na atual situação defensiva em que vivemos,
de retirada de direitos e o aumento da barbárie social e econômica, somente um
movimento revolucionário pode arrancar do capitalismo uma ou outra conquista
material (como uma reposição salarial ou a derrota da “reforma” da Previdência).
A burguesia só pode ceder alguma reivindicação importante quando se vê na
iminência de perder tudo, frente a um movimento consciente e organizado, o que
não tem sido o caso. Estas propostas de “greve geral” estão muito longe disso.
A maioria esmagadora dessa
burocracia sindical aposta nas eleições burguesas: quer desgastar os governos
neofascistas para trocá-los por governos petistas ou de qualquer outro partido
reformista. Isto é, pretende administrar o capitalismo. Por isso suas “greves
gerais” não vão e nem podem ir além desse faz de conta. O reformismo aposta no
crescimento paulatino das lutas econômicas e na mudança por dentro das
instituições, como a justiça. Alguém acredita ainda que a justiça e o
parlamento sejam imparciais?
Para uma greve geral é preciso unificar as
categorias, organizá-las por local de trabalho, e promover uma campanha de
denúncia do capitalismo, não de forma abstrata, como fazem os doutrinários e eventualmente
os reformistas, mas de forma concreta. As burocracias sindicais não querem
derrubar ou sequer denunciar o capitalismo, mas administrá-lo: eis uma
contradição insolucionável, que se expressa nas esterilidades dessas propostas
de “greve geral”, usadas como um fim em si mesmo e descoladas de qualquer luta
real. Quando lemos o site da CUT, encontramos este trecho num artigo sobre a “greve
geral”: “Para fortalecer a luta contra a
reforma da Previdência de Bolsonaro, as centrais sindicais definiram se reunir
com as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e com os principais sindicatos e
partidos políticos. Além, claro, de pressionar os parlamentares nas suas bases
eleitorais e por meio do ‘Na pressão’, ferramenta que a CUT criou para
facilitar o contato dos trabalhadores e trabalhadoras com os deputados”[i].
Pesa ainda entre os métodos da burocracia
sindical o problema do corporativismo e do desemprego. A direção central do
CPERS fala agora em “greve geral”, mas não é capaz de organizar nenhuma luta
real unificada com outras categorias do funcionalismo público, nem mesmo com o
SIMPA, também dirigido pelo PT e pela CUT. Como organizar, então, uma “greve
geral” sem preparação e organização prévia verdadeira, testada a fortalecida na
luta?
No Brasil temos hoje cerca de 14 milhões de
desempregados e 4,8 milhões de trabalhadores em situação de desalento (isto é,
que desistiram de buscar trabalho). Além disso, aproximadamente 39,5 milhões de
trabalhadores estão na informalidade, o que corresponde a 43% da população
trabalhadora[ii].
Qual a política dos sindicatos e das centrais pra essa realidade? Nenhuma!
Os problemas teóricos e
práticos de uma “greve geral”
Nos dias 8 de março muitos ativistas
do CPERS citam Rosa Luxemburgo e estampam suas fotos, mas, de fato, não entenderam
suas contribuições. No seu livro Greve de
massas, partido e sindicatos, Rosa afirma que: “A revolução russa nos ensina que a greve de massas não é nem
‘fabricada’ artificialmente nem decidida ou ‘propagada’ num espaço imaterial e
abstrato, senão que representa um fenômeno histórico (...). É tão impossível ‘propagar’ a greve de
massas como meio abstrato de luta como ‘propagar’ a revolução. (...) Empreender uma propaganda em regra em favor
da greve de massas como forma de ação proletária, querer estender essa ‘ideia’
para ganhar pouco a pouco a classe operária seria uma ocupação tão ociosa, tão
vã e insípida como empreender uma campanha de propaganda pela ideia da
revolução ou do combate de barricadas”.
O revolucionário russo, Leon
Trotsky, também reivindicado nos dias de festa por grande parte das correntes
da “esquerda” do CPERS, afirma o seguinte: “A
greve geral, como todos os marxistas sabem, é um dos meios de luta mais
revolucionários. A greve geral não se torna possível senão quando a luta de
classes se eleva sobre todas as exigências particulares e corporativas (...). Acima da greve geral não pode haver
senão a insurreição armada (...). Em
outras palavras: a greve geral não é possível a não ser em condições de extrema
tensão política e, por isso mesmo, é sempre expressão indiscutível do caráter
revolucionário da situação” (Aonde Vai a França).
Nenhum desses pré-requisitos são
atendidos pelas “greves gerais de um dia” da atualidade, que se degeneraram
numa forma deslavada de oportunismo. Quem está na ofensiva é a direita
neofascista. Os trabalhadores estão desorganizados e acuados; divididos e inconscientes.
A maioria das organizações e partidos de “esquerda” quer nos fazer crer que
estamos prontos para um embate de morte para invocar a construção de uma greve
geral, que segundo Rosa não é “fabricada’
artificialmente nem decidida ou ‘propagada’ num espaço imaterial e abstrato,
senão que representa um fenômeno histórico”, para derrotar um governo neofascista
que está numa ofensiva voraz.
Temos insistido que a deflagração de uma
greve exige uma análise criteriosa da situação: como estão os seus inimigos (os
patrões e o governo), o ânimo geral dos trabalhadores e da categoria em
questão, o seu grau de organização, o fundo de greve, o caráter das direções, a
reivindicação em pauta? E ainda: existe movimento grevista no setor privado? Isto
é uma dificuldade cada vez maior em função das condições atuais do capitalismo
(desemprego e subemprego massivo) que a “esquerda” desconsidera completamente.
Insistimos: como está a organização dos trabalhadores informais e
desempregados? As “greves gerais” tem se resumido ao funcionalismo público, que
poderiam ser utilizadas para agitar as categorias privadas, mas, em razão de
suas direções, prefere fazer demagogia de vanguarda.
Os ativistas e as
organizações de “esquerda” alimentam a burocracia sindical e as lutas estéreis
ao desconsiderar o problema da direção
Nos dias de hoje há um problema que
jamais pode ser desconsiderado: o problema da direção. Quem vai organizar,
convocar e dirigir a “greve geral”? Inevitavelmente quem tem mais peso numérico. No caso, o PT, a CUT e os seus satélites. Isso não é menos importante
do que a conjuntura, que também é desconsiderada totalmente por quem propõe a
“greve geral”.
O PSTU expõe na capa do seu jornal: “É hora de organizar a greve geral”,
para acrescentar logo depois: “mas as
cúpulas das centrais e partidos da oposição não podem roer a corda”[iii].
Ora, companheiros, se já sabem que isto aconteceu no passado, como lembram no
mesmo jornal, e que provavelmente pode se repetir no presente, vão continuar
incentivando os trabalhadores a se precipitarem sobre o precipício? Até quando?
Além da greve se materializar do nada, sem trabalho de base, sem uma
revisão radical do sindicalismo praticado até aqui, sem superar o corporativismo
e a desorganização dos setores informais, ela ainda terá a qualidade de fazer
com que a burocracia cutista não “roa a corda”? Quando não “esquecem” desse pequeno problema, ignoram totalmente a
salada de frutas das reivindicações, que misturam bandeiras auto excludentes,
muitas vezes de cunho burguês. Atualmente o movimento parece falar a mesma
língua contra a “reforma” da Previdência, mas há aqueles que querem negociá-la,
apenas pressionando os deputados ou elegendo parlamentares e governos. Como
tudo isso pode ser simplesmente ignorado? Não seria isso uma grande aflição de
tentar “resolver todo o problema” com soluções mágicas? Quiséramos nós fosse
assim tão fácil.
O que fazer?
Não existe uma saída instantânea na luta de
classes. Tampouco uma descarga de raiva e adrenalina podem resolver o nosso problema
e nos “purificar” frente a podridão da politicagem burguesa e os perigos do
caminho mais longo. Nesse caso, a teoria e a experiência são sempre bons guias.
Alguns certamente dirão que “não queremos
fazer nada” e que somos contra a “greve geral”. Nós não descartamos nenhum
método de luta, mas combatemos toda e qualquer política desvinculada da
realidade. Somos sim, contra este tipo estéril de “greve geral”, que não leva
em consideração a movimentação real da classe trabalhadora, a correlação de
forças, o alto nível de desemprego e informalidade, as nossas condições
psicológicas e materiais, como se com gritos radicais pudéssemos resolver as
graves contradições da realidade.
O que colocaremos no lugar da “greve geral”?
Ora, numa conjuntura não revolucionária, o eixo da nossa política se desloca da
ofensiva para a defensiva; de questões como a organização da “greve geral” ou
de uma revolução, para os métodos e tarefas que as preparam: a organização de
base, dos setores informais e desempregados; a unificação das lutas, a denúncia
da burocracia, do centrismo e do governo; a propaganda do socialismo, a
autodefesa, o partido revolucionário. No caso do magistério é necessário
reorganizar todo o trabalho de base do CPERS, partindo diretamente do contato
com a comunidade escolar nos conselhos escolares combativos e dos
representantes de escola; no funcionalismo público é preciso expulsar a
burocracia sindical dos sindicatos e combater o corporativismo.
Sem mudar radicalmente o sindicalismo
praticado até aqui não há possibilidade de “greve geral”.
NOTAS
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