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We don't need no thought control |
Está
em curso no Brasil a aplicação de um projeto do governo federal que visa militarizar
as escolas públicas. São as “escolas
cívico-militares” – uma espécie de “menina dos olhos” do governo Bolsonaro
(PSL e comparsas) e dos seus apoiadores. Grande parte dos governadores
estaduais abraçou a proposta com entusiasmo, uma vez que o governo federal reservou
uma generosa verba de R$1 milhão por escola para custear os gastos com a
contratação de militares da reserva, que são parte fundamental da proposta
deste projeto.
A medida do governo Bolsonaro sinaliza
um avanço na militarização da sociedade, que é parte do seu programa político e
do seu odioso culto ao regime militar de 1964. Nos primeiros nove meses do
mandato de Bolsonaro, a quantidade de militares em postos do governo federal
aumentou em pelo menos 325 pessoas, passando a marca de 2500 “funcionários” que
detém cargos de chefia ou assessoria em cerca de 30 órgãos de governo.
Ainda que o Projeto de Lei “Escola sem Partido” (ESP) tenha sido
engavetado, ele preparou o terreno para o avanço do militarismo sobre a
educação pública que agora acompanhamos. Num texto de 2015, afirmamos que o
objetivo do ESP era “aterrorizar,
desmoralizar e desmobilizar”; e concluíamos: “Mesmo que o PL não venha a ser votado e formalmente aprovado, o seu
objetivo já está sendo atingido; qual seja: intimidar e coagir as posições de
esquerda dentro da escola pública e evitar que professores solicitem apoio aos
alunos para uma greve ou mobilização contra o governo. Ou seja, quer se
prevenir e criar uma cunha entre os professores e funcionários e a comunidade
escolar, dificultando qualquer movimento grevista, que só poderá ser vitorioso
na defesa da educação pública se estiver unificado”[i].
O principal objetivo do ESP
era criar uma cunha entre os educadores e a comunidade escolar, transformando
os primeiros em vilões, em inimigos, em “inescrupulosos doutrinadores” que usam
alunos como mera “massa de manobra” (ou seja, queriam transformar os educadores
naquilo que a mídia comercial e os partidos de direita são sem nenhum remorso).
Evidentemente que mesmo “engavetado”, muitos vereadores e deputados da direita
neofascista tentaram e continuam tentando aprovar o PL em câmaras de
vereadores, Assembleias Legislativas e até mesmo no Congresso Nacional, mas até
o momento não conseguiram, dada a sua flagrante inconstitucionalidade.
De qualquer forma, o ESP abriu a
avenida ideológica (sua verdadeira intenção), pela qual segue agora o projeto
das escolas “cívico-militares”. E o governo Bolsonaro não quer militarizar
apenas a educação pública. No dia 1º de outubro deste ano recebeu um grupo de
mineradores de Serra Pelada que pede intervenção federal no garimpo por meio de
uma “administração militar”; e prontamente prometeu enviar as Forças Armadas se tiver amparo na legislação. Ou seja,
pretende garantir um projeto que libera mineração em terras indígenas, legalizando
garimpos nestas regiões, levando, de quebra, à naturalização do desmatamento e
à exploração irrestrita da floresta amazônica.
Assim governará Bolsonaro pelos
próximos anos: militarizando todos os setores da sociedade para melhor atender
aos amos imperialistas do norte. Buscando a legitimação de tais práticas,
lançará, periodicamente, fake news,
falsos raciocínios baseados em dicotomias e intervenções militares para
repressão popular da pobreza, que encontrarão receptividade na grande mídia
comercial e em muitas mentes imediatistas.
A militarização é a
destruição pedagógica da escola pública: como o governo e a grande mídia jogam
com o nível de consciência da comunidade escolar?[ii]
Tal como quando foi lançado o Projeto
de Lei do ESP, o Jornal do Almoço da RBS-Rede Globo não perdeu um único minuto
e já saiu divulgando o novo projeto de “escolas cívico-militares” para preparar
a mentalidade da opinião pública (em especial, da comunidade escolar). Ainda
mais num momento em que existe possibilidade da deflagração de um movimento
grevista contra a retirada de direitos.
Numa cobertura jornalística, como
sempre, totalmente tendenciosa, o jornal da RBS trouxe um professor, um aluno e
um pai que eram favoráveis às “escolas cívico-militares” (sem nenhum contrário).
Querem dar suporte ideológico à concretização desse projeto a partir do nível
de consciência das comunidades escolares, forjando um apoio, sem contraponto,
no nível médio desta opinião pública (que, como sabemos, apoiou a eleição do
atual governo federal).
Segundo o ministro da educação, Abraham
Weintraub, a adesão seria voluntária, embora Bolsonaro tenha defendido a
imposição de tais modelos. O sentimento que sustenta a criação das escolas cívico-militares
parte da compreensão de que a educação pública é hoje desorganizada e não há
qualidade no ensino e aprendizagem. A falta de qualidade seria o resultado
desta “desorganização”, desconsiderando-se questões materiais, infraestruturais
e salariais. É sabido que uma grande parcela de pais é favorável ao “regime
militar” por compreender, erroneamente, que o problema da escola pública é
unicamente de desorganização e “baderna” – portanto, de falta de controle. E é partindo
dessa compreensão rasa de educação
que a grande mídia e o governo têm vendido o projeto das escolas
“cívico-militares”.
A dicotomia entre desorganização versus organização é um engodo, pois
sustenta que há apenas dois tipos de escola: a atual, desorganizada, com
educadores grevistas, com fraco tipo de ensino; e a organizada, que é
necessariamente gerida por uma disciplina militar. Não existe apenas essa
divisão dicotômica e pobre. A “organização” imposta por militares não resolverá
o problema. Quem assim vê a situação pensa que toda a questão da educação se
resuma à “disciplina”, o que está muito longe da verdade.
Ela necessita, antes de tudo,
desenvolver todas as potencialidades humanas dos alunos; dentre as quais estão
as científicas, filosóficas e artísticas. Para isso, a qualidade mais
importante é o pensamento crítico,
que jamais poderá surgir em um ambiente de imposições e submissões originadas
da disciplina militar. Qualquer grande cientista, pensador ou artista da
história só pôde surgir questionando paradigmas impostos. Caso contrário,
trata-se apenas de reprodução do que já foi feito. Este tipo de “educação” já
nasce condenado e jamais poderá atingir qualquer objetivo importante de
desenvolvimento do país e de suas potencialidades humanas. Ao contrário: tende
a gerar apenas mão de obra barata, submissa e “disciplinada” (este é o
verdadeiro objetivo do governo Bolsonaro) para aceitar a carteira de trabalho
“verde e amarela”.
Pedagogicamente, uma escola
cívico-militar só pode impor disciplina de cima pra baixo, assassinando o
livre-pensar e o caráter dos alunos. Se, de fato, tal tipo de escola tivesse
produzido algum desenvolvimento no campo educacional, então a ditadura militar
(1964-1985) teria criado um novo paradigma de educação no país, o que não foi o
caso. Cantar o hino nacional jamais suprirá a necessidade de aprender a pensar
corretamente. Tal prática apenas gerará indivíduos ufanistas e chauvinistas, sem preocupação com o
outro; aprendendo a colocar o “eu” acima do “nós”; a submissão pela submissão;
a ordem pela ordem social atual (de exploração e miséria para a maioria). A
educação pública necessita tanto da possibilidade do erro, da divergência e da
autonomia; quanto nós necessitamos de oxigênio.
Pelo medo de se chocar com os setores
populares da comunidade e, por isso mesmo, pelo temor de se tornar impopular, o
CPERS e suas correntes fazem um debate medroso e pela metade. Não
responsabilizam todos os atores sociais de acordo com as suas
responsabilidades. Assim, com esta atuação, deixam o caminho livre para que as ervas daninhas do neofascismo se
proliferem e finquem raízes.
A chantagem da liberação das
verbas: o país e o RS não viviam uma crise financeira?
Contrariamente ao que propaga aos
quatro cantos, há dinheiro para a educação... quando interessa! Neste caso, o
governo Bolsonaro disponibiliza R$1 milhão por ano para cada escola que aderir
“voluntariamente” ao projeto. Neste caso, o voluntarismo é uma hipocrisia, dada
as condições de miserabilidade da maioria das escolas públicas.
Pra piorar, o governo não segue os
próprios critérios que prega. Conforme o governo federal e a SEDUC-RS, dois
critérios seriam utilizados na definição das escolas: vulnerabilidade social e
baixo desempenho no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Como
bem demonstrou um artigo do CPERS[iii], o governo aceitou a
adesão de uma escola de Caxias do Sul que possui um índice acima da média.
Neste caso, o governo possivelmente usará a escola como modelo e exemplo dos
“benefícios das escolas cívico-militares”. Servirá, portanto, para maquiar
resultados e não para resolver os graves problemas da escola pública.
Por um programa democrático
para organizar a escola pública de
acordo com os interesses dos trabalhadores e não dos patrões
Um dos principais fatores da
desorganização da escola pública não é questionado pela mídia (Jornal do
Almoço), os governos (em especial o de Bolsonaro) e muitos pais e alunos que
apoiam a proposta: o parcelamento salarial e a falta de infraestrutura. Com
salários atrasados e defasados; bem como a falta de inúmeros professores e
funcionários para completar o quadro funcional, é muito difícil colocar ordem
ao caos gerado conscientemente por sucessivos governos, que possuem exatamente
este “projeto de educação”. Não é o suposto “excesso de democracia” que gera a
desordem e a baixa qualidade; mas justamente o contrário: a falta de democracia
nas decisões vindas da SEDUC, do MEC e dos governos, somados à falta de
condições materiais, como salários, materiais, funcionários, etc. Há também o
problema da concepção pedagógica de muitos educadores, que entravam o processo
educativo.
Impor militares na escola não resolverá
nenhum desses problemas; apenas esconderá a baixa qualidade do ensino, a falta
de condições e os projetos neoliberais, através do medo do porrete militar.
Sadismos, ódios e taras podem ser contentados assim; jamais a qualidade da
educação. Além disso, as escolas não tem autonomia sobre a expulsão e a
suspensão de alunos, o que cria uma dificuldade extra para a questão
disciplinar do ambiente escolar. As escolas cívico-militares poderão suspender
e expulsar alunos ou também serão estritamente controladas pela SEDUC? A cada
medida punitiva grave será o aluno restituído ao ambiente escolar por ações
vindas de fora, sem nem se inteirar do acontecido?
Sabemos que existem problemas
pedagógicos e administrativos por parte dos educadores que necessitam ser
debatidos, mas isso deverá se dar no âmbito da comunidade escolar, com a
participação real de pais e alunos nos conselhos escolares e assembleias da
comunidade, além de um projeto de governo que seja progressivo (diferentemente
dos atuais, que são meramente privatistas); e não com imposição militar. Se
enganam aqueles que acham que a disciplina por si só é capaz de fazer
“milagres”. A ordem que interessa aos trabalhadores e aos seus filhos só pode surgir
de discussões democráticas, onde todos tenham possibilidade de debater e votar
os encaminhamentos para cumpri-los honesta e coletivamente. A disciplina
nascida da compreensão e da assimilação é muito mais eficaz e verdadeira do que
a imposta pelo uniforme militar.
Não temos dúvidas de que a escola
pública tem muito para melhorar. Existem posturas profissionais que certamente
necessitam ser debatidas a fundo. Mas é errado supor que existe uma saída única
para o problema da baixa qualidade da educação pública: no caso, a “saída” da
militarização. Isso não significa menosprezar a disciplina: mas esta precisa
nascer de dentro; ser compreendida e livremente contratada. Obedecer cegamente
nunca resolveu nenhum problema do Brasil, que é um país marcado por sucessivos
regimes militares. Se “saídas” deste gênero resolvessem os problemas da
educação pública nacional, teríamos centenas de cientistas, filósofos e
pensadores; e não de jogadores de futebol e de indivíduos ávidos por abandonar
o país.
Segundo Paulo Freire, ensinar exige saber escutar e disponibilidade ao diálogo. Ou seja, tudo o que uma administração
militar se recusa. Além disso, ele sustenta que o verdadeiro ensino não é uma simples transferência de conhecimento
do professor para o aluno. É, portanto, uma troca. Para Freire, é necessário
que “o educando vá assumindo o papel de
sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não apenas o de recebedor da
que lhe seja transferida pelo professor. (...) O professor autoritário que recusa escutar os alunos, se fecha a esta
aventura criadora. Nega a si mesmo a participação neste momento de boniteza
singular: o da afirmação do educando como sujeito de conhecimento”. E
conclui: “A autonomia vai se constituindo
na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas (...) Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém”[iv]. Esta pedagogia é
profundamente necessária para um país como o Brasil; e uma escola cívico
militar significa o aborto desta pedagogia, uma vez que os militares são os sujeitos da autonomia de todos.
Podemos concluir que as escolas
cívico-militares propostas pelo governo Bolsonaro tem as seguintes finalidades:
impor obediência (o que assassina o livre-pensar); obrigar a aceitação das
condições impostas pelo mercado de trabalho; reproduzir conteúdos (não pensar a
partir do novo; ausência de criação); impedir qualquer resistência vinda do
chão da escola aos projetos que cortam verbas e, consequentemente, destroem a
escola pública. A educação brasileira, carente em todos os sentidos, precisa de
um projeto radicalmente oposto a tudo isso. É por isso que o projeto das
escolas “cívico-militares” só pode interessar aos patrões e não aos
trabalhadores.
Para combater a
militarização neofascista das escolas, propomos:
-
Que o CPERS e todos os educadores do Estado do RS debatam com as comunidades
escolares o que significa pedagogicamente as escolas cívico-militares (isto é,
a sua destruição). Este texto serve como
um dos subsídios.
-
Contrapor o que dizem os grandes pedagogos e pensadores da educação sobre a
militarização das escolas públicas com o projeto de escolas cívico-militares.
-
Organizar a luta de resistência nas escolas em que o projeto for imposto e a
comunidade não aceitar. Denunciar as consequências nefastas do dia-a-dia que
inevitavelmente virão em caso de aceitação passiva.
-
Transformar a bandeira contra as escolas “cívico-militares” numa bandeira de
discussão da nossa “greve” que se avizinha com a população gaúcha, demonstrando
que não existe apenas “desorganização (atual)” versus “organização/militarização”.
-
Debater o que é patriotismo, a sua relação com os demais países; como se deu a
colonização do Brasil, o tipo de “patriotismo” da elite brasileira e por que
temos que lutar pela união dos trabalhadores de todos os países,
independentemente de qualquer fronteira.
-
Esclarecer que educação exige livre-pensar e não cantar o hino nacional, formar
filas e reproduzir a moral patriarcal da sociedade.
NOTAS
[ii]
Grande parte das conclusões desse tópico surgiu numa reunião do Clube de
Filosofia da Escola Estadual Alcides Cunha. Iniciativas como este clube de
filosofia certamente não seriam toleradas em uma futura escola
“cívico-militar”.
[iv]
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática
educativa. Paz e Terra, São Paulo, 2010.