O
Projeto de Lei Complementar 16/20 apresentado no dia 11 de dezembro pelo então
vereador Wambert Di Lorenzo (PTB) objetivava legitimar a urbanização de uma
gleba de 426ha de propriedade da empresa Arado Empreendimentos Imobiliários
Ltda, que foi aprovado em plenária da Câmara de Vereadores de Porto Alegre no
dia 17 daquele mês. No entanto, em razão da mobilização civil e posterior denúncia,
o Ministério Público Estadual promoveu Ação Civil Pública contra o Município de
Porto Alegre e contra a empresa, que foi julgada procedente no dia 19,
declarando a ilegalidade da Lei Complementar de 2015, conhecida como “Lei do
Arado”.
A
“Lei do Arado”, aprovada sob gestão do então prefeito José Fortunati (PTB),
cujo Secretário Municipal de Urbanismo era Valter Nagelstein, conhecido por
suas declarações de cunho racista, modificou o Plano Diretor da cidade ao reverter a área da Fazenda Arado como parte da
zona rural de Porto Alegre para área urbana. Essa alteração
permitiria que o empreendimento pudesse seguir. Além de poder contar com essa
manobra política, a empresa também estava sendo favorecida por um inconsistente
Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
De
acordo com o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no
Brasil, em 2016, moradores do bairro de Belém Novo organizados em comissão
autônoma, que depois veio a constituir-se nos movimentos Preserva Arado
e Preserva Belém Novo, organizações da sociedade civil e ambientalistas
como as ONGs Instituto Econsciência, Instituto Gaúcho de Estudos
Ambientais (Ingá) e o grupo ambientalista Coletivo Ambiente Crítico,
enviaram ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul um dossiê com o
objetivo de expor ao Ministério Público Estadual, ao setor técnico e à
sociedade em geral as incompletudes do Estudo de Impacto Ambiental, a
insustentabilidade ambiental, urbanística e sobretudo legal de tal
empreendimento.
O dossiê questionava, por exemplo, o
aterramento da área – constituída de
banhados e campos de várzea da planície de inundação do Lago Guaíba –, o que é
contrário ao que a legislação dispõe em diversos diplomas legais, tal como cita
o artigo 245 da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, que estabelece as
áreas de preservação permanente nos limites do município. O empreendimento revela-se,
inclusive, perigoso para a população do ponto de vista técnico de engenharia
civil, tendo em vista que, de acordo com o artigo 192 do Código Estadual de
Meio Ambiente, as áreas sujeitas à inundação - como é o caso da gleba da
Fazenda Arado Velho - são “áreas cujas condições geológicas e hidrológicas
não aconselhem a edificação”, instituídas por lei como áreas de preservação
permanente (APP).
Em 2017, após a mobilização desses grupos ambientalistas e de moradores, a Justiça suspendeu os efeitos da “Lei do Arado”. A sentença acatou a ação pública do Ministério Público que argumentou, além do exposto acima, que a Lei foi aprovada sem conhecimento e participação da população. A área continuou propriedade da empresa, mas esta permaneceu sem a liberação para construir seu projeto: um condomínio de luxo em área que tem alta relevância ambiental, histórica e social, visto que preserva banhados, fauna e flora protegidos, sendo, inclusive, sítio arqueológico tombado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural). A página da campanha Preserva Arado indica que os últimos proprietários da parte que compõe a fazenda, composta de construções que datam dos séculos XIX e XX, foram membros da família Caldas, proprietários do jornal Correio do Povo, destacando-se Breno Caldas.
Em junho de 2018, três famílias Guarani-Mbyá vindas do Cantagalo, Viamão, cumpriram os objetivos da retomada indígena ocupando parte da Fazenda Arado Velho, afirmando que seria parte do seu território ancestral. A retomada da Ponta do Arado faz parte da busca de uma territorialidade tradicional, de lugares de manutenção e reprodução de seu modo de vida, de seus costumes e sua língua, direitos constitucionalmente garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Timóteo
de Oliveira Karai Mirim, que desde então é a liderança dos Guarani-Mbyá, tem
objetivo de montar uma aldeia em uma área que proporcione a eles qualidade de
vida a seu próprio modo. A referida área de Porto Alegre, antiga sesmaria de
Viamão, foi um local historicamente povoado por indígenas (tanto Guarani quanto
Kaingang) até o século XVII, como comprovam os relatos históricos e os sítios
arqueológicos. Entretanto, em meados do século XVIII a presença indígena na
região já era praticamente invisível. Os Guarani foram deslocados nesse período
para as Missões Jesuíticas, escravizados ou escaparam para regiões mais
inóspitas. A (re)ocupação guarani nessa área se deu apenas após o
declínio dos Sete Povos das Missões, com alguns grupos de indígenas sendo
deslocados para a Aldeia dos Anjos, cidade de Gravataí, e alguns outros
voltando aos poucos para a região, o que evidencia que a configuração urbanística
da cidade de Porto Alegre está atrelada aos processos de exclusão dos povos
originários.
Dada essa situação, os Guarani-Mbyá precisam de apoio da
população consciente, que pode ser dando visibilidade à causa, doando
mantimentos ou algum valor para sua permanência no espaço reivindicando a área.
Você pode compartilhar essa denúncia e/ou doar alimentos, água, roupas, lonas,
cordas, entre outras ferramentas de acampamento na Feira Ecológica do
Menino Deus, no pátio da Secretaria de Agricultura (av, Getúlio Vargas, 1250)
nas quartas-feiras, das 11:30 às 17h.
REFERÊNCIAS:
CÓDIGO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE. Disponível em: https://www.sema.rs.gov.br/upload/arquivos/201611/28093051-codigo-estadual-do-meio-ambiente.pdf
KÜHN, Fábio. Breve História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2011.
LEI COMPLEMENTAR No 780, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2015. https://drive.google.com/file/d/1n1eCgccxQxhKvfWv30l4ntdJdKhpteZT/view
MAPA DE CONFLITOS ENVOLVENDO INJUSTIÇA AMBIENTAL E SAÚDE NO
BRASIL. RS – Povo indígena Guarani-Mbyá luta por território
ancestral em Ponta do Arado. Disponível em:
http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/rs-povo-indigena-guarani-mbya-luta-por-territorio-ancestral-em-ponta-do-arado/
NOTA DO
CIMI SUL EM REPÚDIO AO PLC 16/20: Ao apagar das luzes, Câmara de Vereadores de Porto Alegre
negligencia direitos indígenas em nome da especulação imobiliária. Disponível em:
NOTA OFICIAL DA CAMPANHA #PreservaArado: Justiça considera ilegal a lei que favorece empreendimento imobiliário na Fazenda do Arado. Disponível em: https://preservaarado.wordpress.com/noticias/notas/justica-considera-ilegal-a-lei-que-favorece-empreendimento-imobiliario-na-fazenda-do-arado/
PROC. Nº 00350/20 - PLCL 016/20. Disponível em: https://www.camarapoa.rs.gov.br/processos/136057
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