29 de nov. de 2020

O GENOCÍDIO DO POVO NEGRO CONSEQUÊNCIA DO RACISMO ESTRUTURAL DO CAPITALISMO


         O racismo estrutural no Brasil é composto de práticas históricas, institucionais e culturais de exclusão social, violência policial ditada pelo Estado que tem como alvo a população negra. O genocídio do povo negro está em curso há 520 anos no Brasil. Essas ações violentas estão alicerçadas na herança escravocrata do Brasil colônia. Entre os séculos XVI e XIX a coroa portuguesa usurpou o continente africano trazendo aproximadamente 5 milhões de negros e negras, na condição de escravizados, sob intensa violação de seus corpos, para servir de mão-de-obra nas grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar e mineração, e assim garantir o desenvolvimento da colônia.

            Nesses três séculos de escravização sob o regime colonial o discurso religioso da cristandade serviu para legitimar e dar suporte ideológico para impor ao povo negro a tortura, estupros e as mais bárbaras violações dos direitos humanos, visando “convertê-los” à fé “cristã”.

            O racismo é inerente ao sistema capitalista, assim como a homofobia, misoginia e todas as formas de opressão e exploração. O lucro é o deus do mercado, e para submeter bilhões de trabalhadores(as) é necessário impor terror e medo, “normalizar” a violência e a exploração, acumular e privatizar a riqueza produzida pelos(as) trabalhadores(as) na mão de uma elite perversa.

 

Por que João Alberto Silveira de Freitas foi assassinado?

           João, um homem negro que não baixava o olhar, encarava os racistas e a exclusão que o povo negro sofre historicamente. João olhava nos olhos de seus algozes, não manifestava medo enquanto os seguranças o seguiam pelo supermercado Carrefour, ou olhavam com desconfiança, pré-julgando por conta de ser negro; no ditado popular João os “encarava”.  Em função da herança escravocrata, os seguranças brancos não suportavam essa situação de um negro não baixar a cabeça para eles, e nem temê-los, isso é inadmissível.

            Então os capitães do mato, serviçais do Carrefour, resolveram dar uma lição no negro, diante da câmeras de monitoramento, celulares e a plateia cativa,  como era nos moldes do período da escravidão, nos pelourinhos espalhados pelo Brasil colônia, para que servisse de exemplo para outros negros e negras não ousarem andar de cabeça erguida dentro do supermercado Carrefour. 

          Os seguranças assassinos espancaram João Alberto até matá-lo, e mesmo gritando por socorro, dizendo que não respirava, não conseguiu fazer com que os assassinos parassem, tampouco provocou uma reação contundente na plateia cativa, que impedisse o seu assassinato cruel diante de todos(as). Quando os socorristas do SAMU chegaram ele já havia sido assassinado, não estava mais respirando, as tentativas de ressuscitação foram frustradas. 

            É evidente que houve uma ação deliberada de assassinar João Alberto, pois a violência só cessou quando João parou de respirar, isto é, depois que eles conseguiram matá-lo. Assim tem sido no Brasil, o medo, a apatia, e a nossa desorganização enquanto classe trabalhadora está permitindo a perpetuação dessa barbárie.

            Absurdamente a grande mídia divulgou uma suposta ficha corrida de delitos cometidos por João Alberto. Realmente nos tratam como idiotas, é notório que serve para plantar a divisão na opinião pública, entre os que consideram que ele deveria ter morrido por conta da tal “ficha”, os bolsonaristas, e os que se revoltaram contra a brutalidade cometida.  Assim foi com Marielle Franco, a direita neofascista também tentou vinculá-la às milícias, e assim tem sido no Brasil há séculos: encontrar justificativa para matar negros e negras. Agora vamos supor que a tal ficha corrida exista e que os seguranças a conheciam, então, reforça a tese de premeditação do crime de assassinato.

            Em situação semelhante ao assassinato de João Alberto, foi o assassinato pela polícia de Minneapolis, Minnesota, de George Floyd, nos Estados Unidos em 25 de maio desse ano, em que ele implorava dizendo que não conseguia respirar até ser morto. Uma onda de revoltas e indignação reverberou pelo mundo todo, com slogan: Black Lives Matter (vidas negras importam).

            O assassinato de João Alberto também gerou revoltas pelo Brasil e o aparato repressor do estado foi colocado à disposição para proteger a propriedade privada dos assassinos. Houve prisões, balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio, para conter os que se revoltaram contra o genocídio do povo negro.

 

A resistência do povo negro

            Assim como João Alberto, o povo negro segue na luta de diferentes formas buscando combater a sua escravização. Durante o período colonial as rebeliões de escravos(as) deixavam os senhores escravocratas preocupados, havia muitas fugas, formação de quilombos. O quilombo de Palmares, liderado por Zumbi, em Alagoas no século XVII, foi referência da luta do povo negro, mas existiram muitos outros. 

            A revolta dos Malês, em Salvador, no século XIX, aconteceu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, foi um levante bastante importante de escravizados de maioria muçulmana. Os malês queriam derrubar e ocupar as estruturas políticas, melhorando as condições de vida do povo negro.

            A partir da segunda metade do século XIX, as rebeliões de escravos cresceram e a pressão dos movimentos abolicionistas, as pressões internacionais, principalmente da Inglaterra contra o governo brasileiro tencionaram para assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.

            As lutas dos Movimentos Negro Brasileiro não cessaram. De lá pra cá, muitas batalhas têm se travado contra o racismo estrutural no Brasil, que exclui negras e negros das políticas públicas. Os Movimentos Negro Brasileiro       lutam permanentemente pela regularização dos territórios quilombolas, que são alvos da especulação imobiliária e grilagem, fomentação de ações e políticas afirmativas que visa corrigir a exclusão social, ampliação da legislação que possa a fomentar ações contra o preconceito racial como, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial, são importantes avanços, mas ainda insuficientes.

            Considerando que o sistema capitalista lucra com o racismo, é necessário organização e unificação das lutas antirracista, anticapitalista, antimachista, antifascista, com uma estratégia de poder da classe trabalhadora para combater o capital e libertar a humanidade da opressão e exploração.

 JOÃO ALBERTO, PRESENTE!


 

27 de nov. de 2020

DERROTAR A DIREITA EXIGE MILITÂNCIA PARA ALÉM DAS ELEIÇÕES, CONSCIÊNCIA DE CLASSE, O COMBATE DAS ILUSÕES E COERÊNCIA POLÍTICA

 


      As eleições municipais de 2020 chegam ao fim dando a maioria das prefeituras e cargos de vereança para os partidos do chamado “centrão” (leia-se: direita soft). O bolsonarismo perde força, embora ainda conserve apoio popular; e o petismo se reabilitou um pouco, apesar da campanha de “demonização” midiática contra o partido. Em algumas capitais, como Porto Alegre e São Paulo, ocorreram fenômenos positivos, ainda que muito limitados e que precisam ser avaliados com muito cuidado, como a ida ao segundo turno de Manuela D’Ávila (PCdoB/PT e cia.) e Guilherme Boulos (Psol e cia.). 

        O processo eleitoral demonstrou-se ainda repleto de ilusões – sobretudo entre a militância de esquerda/sindical – e, ao mesmo tempo, com muita descrença. Em Porto Alegre, cerca de 358 mil eleitores (33% do total) não compareceram às urnas. Dois problemas que se complementam, porque a militância sindical julga ser possível derrotar a direita e o neofascismo através das eleições e a abstenção não se transforma em ação política anti-regime e anti-sistema.

         Nós da Construção pela Base compreendemos que para derrotar a direita devemos manter uma militância ativa para muito além do processo eleitoral, desenvolvendo consciência de classe e combatendo a burocracia sindical e política que dominam os sindicatos e a vida política do país. Num momento de profundas ilusões eleitorais e de desmobilização geral não queremos contribuir com a polarização e a fanatização, que leva à dicotomização (o terreno preferencial do neofascismo). Não chamamos aqui voto nulo ou no PCdoB/PT, em Porto Alegre, ou no Psol e cia., em São Paulo – respeitamos e queremos dialogar com ambas posições, levando erros e acertos de cada uma delas em consideração. Somos nitidamente conscientes do papel cumprido por MDB e PSDB, que são máfias políticas que dominam o aparato estatal burguês há décadas e governam com mãos de ferro contra os trabalhadores, o que, obviamente, exclui qualquer silêncio em relação a eles.

         Contudo, nos sentimos no dever de alertar contra certos exageros e demagogias que são oriundos do desespero eleitoral que resulta de ocasiões como estas.

 

MDB e PSDB: máfias burguesas que estão interligadas ao projeto econômico bolsonarista

         A maioria das análises das organizações de esquerda estão corretas acerca do caráter e da atuação de MDB e PSDB, por isso não nos cabe acrescentar nada mais. MDB é um antro dos maiores casos de corrupção do país, além de ser o campeão do fisiologismo, estando em qualquer governo federal. O PSDB é o “senhor feudal” do Estado de São Paulo, massacrando os trabalhadores e os usando como vitrine para todos os experimentos neoliberais de retirada de direitos e exploração desapiedada. Não é casual que a maior e mais rica cidade do país conviva com casos de miséria extrema e a fome. Nesse sentido, não temos dúvidas de que PCdoB e Psol são diferentes do MDB e do PSDB e divergimos de quem coloca um simples sinal de igual entre todos estes partidos. Porém, nos preocupa o nível de ilusões a respeito das eleições, que se transforma em ufanismo aberto, quando não em desespero.

         Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que votou contra o plano de carreira dos educadores estaduais, ataca Manuela falando que ela é “comunista” e “estatista”. Tais fake news se proliferam com certo consentimento da própria candidata, que não os rebate nos debates ou mesmo posteriormente. O PCdoB não é “comunista” (nem no sentido “correto”, nem no sentido da ex-URSS); tampouco é estatista. Basta olhar para a atuação do PCdoB nos governos Lula/Dilma, com o código florestal proposto pelo seu deputado, Aldo Rebelo; ou mesmo o seu governador do Maranhão, Flávio Dino, além do perdão da dívida das igrejas evangélicas. O PCdoB nunca ameaçou e não ameaça a propriedade privada e a Constituição (burguesa) de 1988. Ao contrário, tem sido um dos seus mais fiéis defensores. Tampouco caminha no sentido do desenvolvimento da consciência de classe – basta ver sua atuação nos sindicatos.

         Manuela também não pode ser acusada de “estatista” por proteger a manutenção de determinados serviços públicos ou por defender, corretamente, a manutenção da Carris como empresa pública contra os intentos privatistas de Melo (feito, no mais das vezes, para agradar demagogicamente o eleitorado bolsonarista, que, para além do preconceito e do seu interesse imediato, não entende nada de “comunismo” e tampouco de capitalismo e privatização). O PCdoB não tem a menor intenção de “estatizar” nada, nenhuma empresa, multinacional ou o que quer que seja. Esta afirmação, como vimos, está embasada pela prática de PCdoB e PT. Tampouco a pecha de “radical” pode ser pregada em Boulos, dado que ele se aproxima do empresariado paulistano e “dialoga” com vários setores, além de afirmar que não irá demonizar o setor privado. Não propõe, tal como o PCdoB também não propõe, nenhuma mudança político-institucional ou constitucional e mantém-se nos limites da retórica lulista da “esperança vencer o medo e o ódio”.

         Já MDB e PSDB vão continuar retirando direitos, massacrando servidores públicos e garantindo a exploração desenfreada de trabalhadores. Ou seja, não em palavras, mas na sua prática concreta garantirão o Estado como instrumento pleno e eficaz do capital privado, transformando os impostos em subsídios e “incentivos” ao grande capital; isto é: trabalharão a todo vapor pela “uberização” da economia e dos direitos trabalhistas, tal como faz Bolsonaro. Não podemos esperar nada diferente destes partidos e qualquer trabalhador ou trabalhadora que votar neles estará votando contra si mesmo (seriam casos de ignorância, vantagem pessoal ou masoquismo?).

 

Cuidado com as ilusões!

         Mas se Manuela e Boulos não são “comunistas”, “estatistas” e respeitarão totalmente a institucionalidade burguesa, farão o mesmo que Melo e Covas? Não! A diferença entre tais projetos diz respeito, sobretudo, ao que fazer com o orçamento de governo. Como representantes da direita, Melo e Covas subsidiarão o empresariado com verbas públicas em detrimento dos serviços públicos, do emprego, da moradia, do transporte popular, etc. Manuela e Boulos, por sua vez, utilizarão as fórmulas aplicadas pelos governos petistas, de “distribuir” alguma renda por dentro do Estado burguês e da sua institucionalidade, lembrando bastante as orientações de instituições financeiras como o FMI, Banco Mundial, etc., que apregoam uma certa compensação à “questão social” como forma de evitar que o aprofundamento das desigualdades sociais inviabilizem a ordem e o próprio funcionamento do sistema. Isso não é melhor do que projeto de Melo e Covas? Sim, mas a longo prazo é um paliativo desmobilizador, tal como nos demonstraram os governos petistas.

         Manuela fala em ser uma candidata anti-bolsonarista e alguns acham que isso, por si só, não apenas se justificaria, como seria extremamente progressivo. Basta olhar, contudo, as alianças do PCdoB a nível nacional: em 70 cidades está coligado com o PSL de Bolsonaro (enquanto que o PT repete a façanha em 140 municípios, segundo os dados do TSE); em 194 cidades está coligado com o MDB, de Melo (enquanto que o PT está com os velhos amigos em 606 cidades)[i]. E o Psol, de Boulos, recebe o apoio de PCdoB e PT em São Paulo e Porto Alegre. Tratam-se de coligações e apoios pragmáticos e importantes nesse momento, dirão alguns. Cada um conclua o que quiser e seja pragmático em nome da “governabilidade” o quanto desejar, mas não joguem a experiência de 13 anos de governos petistas no lixo.

 

PCdoB e PT defenderão os serviços públicos?

       Um dos grandes argumentos favoráveis aos candidatos da “esquerda” afirma que as candidaturas de PCdoB, PT e Psol, ao contrário das mdebistas e tucanas, defenderão os serviços públicos. Este é o principal motivador de um apoio eleitoral desesperado pra muita gente. Mas cabe perguntar se de fato os primeiros defenderão os serviços públicos contra os segundos? Se comparados ao MDB e ao PSDB, podemos afirmar que sim. No entanto, isso não é um grande mérito, sobretudo se lançarmos um olhar mais atento sobre como se dá esta defesa.

         Se levarmos em consideração que se torna cada vez mais patente o surgimento de um “Estado amplo”, controlado pelos monopólios e trustes internacionais, que não reconhecem os limites das fronteiras e legislações nacionais, estaduais e municipais em contraposição ao um “Estado restrito”, que é o Estado “tradicional”, com suas instituições políticas circunscritas ao seu território, mas subordinadas e dependentes deste poder econômico superior, podemos concluir que há limites evidentes para o poder executivo e legislativo. O central seria que os “nossos representantes” nestes partidos de esquerda lutassem conscientemente contra este “Estado amplo”. PCdoB e PT lutaram? E o Psol, grande respeitador e impulsionador da institucionalidade burguesa, o fará?

         Nesse caso: elegemos “representantes”, governos e “legislamos” no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e nas Câmaras de Vereadores para quê, uma vez que o poder do “Estado amplo” (isto é, dos monopólios de mercado) asfixia e torna inócua toda a legislação que limite seu poder? Para isso, basta ver a situação das multinacionais frente ao governo do Estado – se falamos em cobrar os impostos devidos elas ameaçam ir embora e os governos aceitam tudo docilmente. Assim, em razão das contradições do capitalismo, cada vez mais o “Estado amplo” vai solapando as verbas destinadas aos serviços públicos e mesmo Manuela ou Boulos terão margem muito limitada para defendê-los. O correto seria se enfrentar conscientemente contra tal estrutura – o que inclui a institucionalidade burguesa –, transformando tal enfrentamento em uma luta pública. PCdoB, PT e Psol o farão? Muitos dos seus apoiadores gritarão que “sim”! Contudo, nós temos muitas razões para desconfiar e nos colocar em estado de alerta e prontidão. Sobretudo o fato de Manuela ser acrítica em relação à Fundação Lemann, a mesma que assinou convênio com o governo Leite (PSDB) e pretende tomar conta da educação pública[ii].

Manuela e Boulos podem ter boas intenções em relação aos serviços públicos – se comparados a Melo e Covas –, mas sem lutar duramente contra o “Estado amplo”, a institucionalidade burguesa e a hegemonia do mercado privado sobre a economia, a longo prazo farão o mesmo que Lula e Dilma.

 

A direita sempre governa através da institucionalidade burguesa

         O problema central das eleições é a institucionalidade burguesa a qual os candidatos que forem eleitos terão que lidar. PCdoB e PT não apenas não combatem tal institucionalidade, como a reforçam. O que fizeram em 13 anos de governo federal? Tal “vitória” contra a direita nas urnas é solapada pelo funcionamento da institucionalidade que se segue e isso não é sequer lembrado por quem hoje está numa campanha frenética pela “vitória” da “esquerda”. É esta institucionalidade que compromete toda a gestão “popular” e que fortalece a direita que supostamente é derrotada nas urnas, que precisa ser desmascarada e explicada pacientemente aos trabalhadores e às trabalhadoras. De uma forma ou de outra a direita governa sempre através da institucionalidade burguesa. Reconhecer isso não seria importante? É esta a verdadeira “unidade” que falta à “esquerda”.

         Foi este um dos tristes resultados dos 13 anos de PT e PCdoB à frente do governo federal. Nada foi feito neste tempo para derrotar a direita ou modificar a estrutura do país (um reformismo sem reformas). O golpe é resultado das alianças espúrias, da falta de política concreta para mudar o país e combater as elites e a direita nacional. Ao contrário, além de dar “lucro recorde aos bancos”, o petismo levava a passar os caciques da direita tradicional como grandes aliados, respeitáveis e confiáveis. Votem na Manuela ou no Boulos, denunciem Melo e Covas (e nós estaremos com vocês), mas nunca esqueçam disso e jamais minimizem tais problemas!

         Parte da institucionalidade burguesa se encontra sobretudo nos sindicatos e nas entidades estudantis, a quem PCdoB, PT e mesmo o Psol dirigem com mãos de ferro e uma política paternalista que gera inúmeras ilusões na justiça e nas eleições burguesas. Reforçam direta ou indiretamente a burocratização sindical e está aí, certamente, uma forma central de enfraquecimento dos trabalhadores e de “fortalecimento da direita”.

 

Votar contra a direita... mas sempre com consciência de classe!

         Compreendemos nitidamente o momento delicado que vivemos – de ascensão da direita neofascista – e dialogamos com todas as posições que expressem, de alguma forma, resistência em defesa da classe trabalhadora. Não achamos, contudo, que o centro da luta contra tal direita se dê via eleições e institucionalidade burguesa (evidentemente o terreno do inimigo, que não pode ser embelezado sob hipótese alguma).

         No entanto, não concordamos com a agitação da Transição Socialista (antiga Negação da Negação); não porque supostamente “fortaleça a direita”, conforma o jargão oportunista, mas porque não consideramos que Manuela seja igual a Melo, nem que Boulos seja igual a Covas. Tal agitação equivocada simplesmente reforça todas as ilusões que supostamente quer combater, jogando os eleitores de “esquerda” nos braços dos candidatos “reformistas” e ajudando na polarização/fanatização. As ilusões são grandes e profundas, como podemos constatar e, como não existe um movimento de massas que se ponha como alternativa nítida e firme neste momento, tal polarização não ajuda em nada, mas atrapalha. A unidade dos trabalhadores deve se dar com muita paciência revolucionária. Não se pula etapas apenas simplificando a realidade, que não pode ser simplificada.

         Respeitamos as duas posições que não votam na direita: tanto a que decide por Manuela/Boulos quanto a que optou pelo voto nulo. Não concordamos com o desespero eleitoral, que transforma a passividade do voto de 2 em 2 anos numa solução milagrosa que evidentemente não é. Não achamos que um governo de “esquerda” eleito para o Estado burguês seja, necessariamente, uma forma de “acumular forças” para a luta da classe trabalhadora. Pode significar uma vitória de Pirro, tal como os 13 anos de frente popular no governo federal. Sobre essa experiência podemos perguntar: chegamos perto de derrotar a direita ou a fortalecemos?

         Por tudo isso, cuidado com a dicotomização e o desespero eleitoral. Respeitem as opções de quem é trabalhador e tem consciência de classe. Não embelezem o que não deve ser embelezado, nem prometam o que não pode ser cumprido por tal “esquerda”. Podemos considerar que há um equívoco no voto nulo neste momento, mas serão estes companheiros e companheiras que estarão conosco, ombro a ombro, quando os governos eleitos começarem a nos massacrar, de uma forma ou de outra – e eles farão por vocação ou por pressão do sistema sobre os “governos populares”! Quem discorda que coloque a mão no fogo! O “voto nulo” não se restringe aos setores da “esquerda”. 358.217 pessoas não votaram nessas eleições – cerca de 33,08% do eleitorado porto alegrense (a maior abstenção entre as capitais brasileiras); um aumento de 11% se comparado a 2018[iii]. Xingar 33% do eleitorado por se abster resolveria algo? Dialoguem (e não agridam) quem se abstém. Critiquem sua passividade política e não os faça voltar de joelhos para a institucionalidade burguesa. Reflitam e procurem entender sinceramente suas razões; não projetem neles o desespero eleitoral. Uma política cínica e anti-trabalhador levada a cabo por “governos populares” tem mais responsabilidade pelo fortalecimento da direita do que o voto nulo.

         Da nossa parte, estaremos como sempre estivemos: denunciando a direita, orientando os modestos setores da classe trabalhadora que atingimos a não votarem na direita e ombro a ombro com quem vota no PCdoB/Psol ou nulo. Nosso norte é a revolução socialista e o nosso método é o realismo revolucionário. Não acreditamos em saídas institucionais, por mais que não desprezemos a sua boa utilização (o que não é o caso feito por PCdoB/PT e Psol), que cruzam todos os limites nesse sentido.

         Não se vence a direita neofascista e o capitalismo sem coerência, sem que nossas ações confirmem nosso discurso, sem que tenhamos, bem acima do desespero eleitoral, uma conduta ética ligada aos interesses históricos da classe trabalhadora, que não podem ser defendidos e conquistados com métodos institucionais de bastidores, alianças espúrias com a mesma direita que criticamos, com um sindicalismo burocrático ou embelezando com a nossa vontade íntima o que jamais poderia ser embelezado.


- Dia 29 de novembro vote com consciência de classe: não vote na direita!

- Derrotar a direita exige militância para além das eleições, consciência de classe, o combate das ilusões e coerência política; pressupõe, sobretudo, a luta contra o capitalismo!

- Nenhuma ilusão na institucionalidade burguesa (judiciário, legislativo, executivo “popular”, mudança através do voto dentro da democracia dos ricos): só a luta revolucionária muda a vida!

- Respeito e diálogo entre as vertentes de pensamento eleitoral dentro da classe trabalhadora!


- Contra o desespero eleitoral! Não passem a ansiedade burocrática e ilusória para os trabalhadores: fortaleça a esquerda e enfraqueça a direita lutando contra a burocratização sindical e tomando nas mãos as nossas responsabilidades políticas e sociais todos os dias e não apenas de 2 em 2 anos!

 

Referências

11 de nov. de 2020

OS DILEMAS DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE NO CHILE

 

O mundo acompanha com expectativa os desdobramentos da rebelião popular do Chile, que culminou na vitória da proposta pela alteração da constituição no plebiscito realizado no dia 25 de outubro. Por esta razão a esquerda olha o resultado do plebiscito e tira suas conclusões, marcadas, como sempre, por um ufanismo flagrante e contraditório.

       Contudo, há que se ter muito cuidado! Sobretudo com a desordem das palavras de ordem!

         Não tivemos nenhuma “vitória” por enquanto, apenas o positivo rechaço da população chilena aos anos de neoliberalismo, que terminaram na rebelião popular do ano passado. É cedo para comemorar qualquer “vitória” porque a burguesia ainda detém todo o processo em suas mãos. Como sempre, ela está cedendo os anéis para conservar os dedos e, se não formos cuidadosos, podemos acompanhar a promulgação de uma constituição ainda mais reacionária do que a existente hoje sob os aplausos e gritos de “vitória” por parte da esquerda.

         Para evitar isso, vale refletir sobre os seguintes dilemas:

 

Dilema nº1

         Os protestos massivos de 2019 terminaram reféns do espontaneísmo, uma vez que não forjaram uma direção revolucionária com influência suficiente para dirigir uma revolução até o fim; ou seja: até a destruição do Estado burguês e o lançamento dos alicerces de um Estado de trabalhadores baseados nas assembleas territoriales (assembleias territoriais), que, por vários motivos, não conseguiram se alçar como organismos de duplo poder[i]. Como sempre, a esquerda levantou uma miríade de palavras de ordem confusas e contraditórias que, no final das contas, refletia o espontaneísmo reinante no seio do movimento de massas. Não conseguiu hierarquizar e popularizar palavras de ordem que concretizassem um programa revolucionário. Para isso, foi decisivo a ausência de uma direção revolucionária.

         A esquerda existente no Chile – tal como a brasileira – vive uma miséria teórica sem precedentes. Reproduz frases prontas que estão completamente descoladas da realidade, quando não coloca a carroça na frente dos bois, o que não pode gerar outra coisa que não mais confusão. Muitos grupos de esquerda compreendiam, corretamente, que a palavra de ordem de assembleia constituinte servia como desvio das tarefas fundamentais de uma revolução socialista, muito embora isso não tenha se refletido na sua atuação prática e a própria burguesia, que como foi dito, nunca perdeu a direção do processo, tenha se antecipado e, ela própria, proposto a assembleia constituinte como forma de frear e conter o descontentamento popular.

         Até mesmo o MRT (organização editora do Esquerda Diário), que é o campeão da palavra de ordem de assembleia constituinte para qualquer país em qualquer conjuntura, reconhece que se trata de “uma tentativa de desvio institucional”[ii]. Antes tarde do que nunca! Apesar disso, diferentemente do processo revolucionário russo de 1917, quando os bolcheviques conseguiram evitar com maestria esse “desvio institucional” e preservar a direção da revolução – dada, é claro, uma série de características específicas daquele momento histórico –, o mesmo não pode ser falado agora, sobre o Chile de 2020. A assembleia constituinte chilena é uma realidade que não pode ser ignorada e evitada em razão das profundas ilusões das massas e da própria esquerda, bem como de características específicas da conjuntura histórica que levaram aos protestos de 2019-2020.

         Longe de cair nos delírios da LIT-PSTU, que chama a atual proposta de assembleia constituinte no Chile de “vitória esmagadora” e de “avanço da revolução”, ao mesmo tempo em que reconhece que “todo o Processo Constitucional vai ser comandado pelos mesmos de sempre”[iii], devemos nos preparar para enfrentar essa realidade, sem ufanismos e desvarios; e sem cair no erro oposto, expresso pela Revolución Obrera – uma organização proletária da Colômbia –, que contrapõe esquematicamente “as ruas” com a atual “participação no processo da assembleia constituinte”[iv], como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra e pudéssemos combater tais ilusões estando fora do processo e o ignorando. Mesmo que grande parte da população chilena não tenha votado pela assembleia constituinte, tal processo é visto como parte das mobilizações de 2019 e é fruto de profundas ilusões e esperanças das mesmas. Claramente não vivemos uma situação como a de 1917, onde o boicote à assembleia constituinte era um dever revolucionário; daí advém o profundo equívoco da Revolución Obrera.

         Para combater as ilusões dos trabalhadores chilenos, em primeiro lugar, devemos dialogar com o correto sentimento que vê a assembleia constituinte como parte do processo desencadeado em 2019, demonstrando que nada está decidido ainda – portanto, sem nenhuma “vitória” ou “triunfo” até o momento – e, ao contrário, tudo está em jogo; além de nos prepararmos conscientemente para todas as armadilhas que a burguesia chilena já está preparando (incluso a utilização da assembleia constituinte como isca para a desmobilização). A CST e o MES (ambas correntes internas do Psol) também são reféns do mesmo ufanismo da LIT, que inevitavelmente joga areia nos olhos das massas trabalhadoras e não é capaz de formular uma única bandeira que torne possível “enterrar de vez os entulhos da ditadura chilena”[v].

         Nesse sentido, julgamos que o primeiro passo é colocar em ordem as palavras de ordem e definir até onde devemos ir para conquistarmos uma vitória real. Ou seja: basta tirar Sebastian Piñera do poder e supostamente “enterrar” o neoliberalismo pinochetista e da Escola de Chicago sem tocar nas instituições políticas e no sistema jurídico do país? Isto é: basta gritar “Fora Piñera” sem trabalhar concretamente por uma agitação e propaganda que possa preparar o poder dos trabalhadores? Ou pior ainda: poderemos avançar vendendo como vitória e como “avanço da revolução” a simples execução de um plebiscito que estará “nas mãos dos mesmos de sempre”?


Foto de uma assembleia territorial chilena


Dilema Nº2

         O fato de não podermos ignorar a realização da assembleia constituinte não nos deve tornar, sob hipótese alguma, embelezadores da mesma. Tampouco devemos tolerá-la dentro dos estreitos limites em que foi concebida: restrita às “leis internacionais” (as mesmas que endossam todo o neoliberalismo pinochetista) e à maioria de 2/3 para poder legislar. Tal como o bom e velho método leninista, devemos usar a atual assembleia constituinte como uma tribuna de agitação revolucionária para insuflar as mobilizações de rua e ampliar todas as denúncias contra o capitalismo, o patriarcado e o conjunto da velha sociedade que busca se manter a qualquer custo.

         Um dos principais erros a serem evitados é manter o debate da assembleia constituinte restrito a pautas básicas, como o direito à educação, saúde e aposentadoria pública; bem como à discussão sobre o caráter das “câmaras de representantes”, uni ou bicameral. Isso seria um economicismo em nível superior. A questão central para a participação na assembleia constituinte é tentar transformar as reivindicações mínimas dos protestos de rua em revolução socialista!

         Tarefa extremamente difícil, sabemos, mas não impossível, desde que tenhamos clareza sobre a caracterização da assembleia constituinte e das tarefas a serem propostas numa estreita relação com a mobilização popular concreta. Portanto, a questão central é fazer com que o processo que levou à assembleia constituinte não morra e, principalmente, que não caia na versão tradicional de constituintes burguesas, descoladas da realidade popular. Há que se resgatar os melhores exemplos de pressão popular da revolução francesa de 1789 e, se esforçando por recriar as mobilizações de rua de 2019, tentar instalar – guardadas as proporções – o que Trotski propôs para a realidade espanhola de 1936-1939: uma corte constituinte revolucionária[vi].

         Nesse sentido, devemos tentar traduzir essa palavra de ordem para o Chile de 2019-2020 procurando ligá-la estreitamente às assembleias territoriais e às demandas dos protestos de rua, para elevá-las e ir além. Afinal de contas, foram estes protestos organizados pelas assembleias territoriais que arrancaram a assembleia constituinte. É quase consenso entre a “esquerda” que a proposta de assembleia constituinte será usada desesperadamente pela burguesia chilena para não mudar nada, desviar e enfraquecer a luta. A questão agora, porém, é como tentar evitar isso.


Uma assembleia territorial chilena em sessão

Dilema Nº3

         O Esquerda Diário (MRT) informa que “nas grandes massas primam muitas ilusões nesse processo. Muitos acreditam que será escrito por independentes, porque há enorme descrédito dos partidos. Mas o mais provável é que as eleições estejam dominadas pelos velhos partidos e que buscarão tentar cooptar ‘independentes’ para integrá-los ao caminho da auto-reforma”[vii].

         Uma das questões centrais de qualquer agitação e propaganda revolucionária para o Chile hoje diz respeito à eleição dos deputados constituintes, que estão sendo claramente restritas ou ameaçadas em prol da hegemonia dos velhos aparatos partidários, sejam de direita, sejam da “esquerda” reformista. A rebelião popular chilena demonstrou que está farta deste tipo de “representatividade” e cabe à esquerda revolucionária tentar traduzir em palavras de ordem esse sentimento tão evidente. Em primeiro lugar, deve-se tentar reativar as assembleias territoriais e vinculá-las abertamente ao processo da constituinte. Foram estas assembleias que estiveram a frente de grande parte da mobilização de 2019 e são elas que devem estar à frente da assembleia constituinte, uma vez que esta última só existe por causa da mobilização oriunda das primeiras.

         Segundo entrevista do professor chileno, Jorge Magasich, ao canal Fronteira Vermelha[viii], estão surgindo centenas de milhares de “candidatos” populares à assembleia constituinte, o que deve necessariamente fragmentar as listas de independentes e enfraquecê-las, fortalecendo os partidos tradicionais (sobretudo os de direita). Ele sugeriu, então, a tentativa de construção de uma lista independente única que unifique os ativistas do movimento popular. Aqui existe a preciosa oportunidade de propor a sua organização via assembleias territoriais (se elas não tiverem ativas é outra excelente oportunidade para tentar reativá-las, visto que as eleições para a constituinte se darão em abril de 2021 e, apesar de tudo, há tempo), obrigando os partidos de “esquerda”, “operários” e que se dizem “socialistas”, a submeter sua institucionalidade às assembleias territoriais. Elas foram um produto e um motor das mobilizações de 2019; são elas que devem controlar a eleição dos constituintes realmente independentes e legislar por um novo Chile. Devemos relembrar a velha proposta da Comuna de Paris de mandatos revogáveis a qualquer momento; tanto para os representantes das assembleias territoriais, quanto para os da direita. Eleito que defender algo diferente do que deseja seus eleitores, deve ter o mandato imediatamente revogado – e assim deve ser legislado também para qualquer cargo representativo no futuro. Assim dialogaremos com o sentimento de rechaço aos partidos e ao parlamento burguês.

         Isto é: deve-se contrapor para a população trabalhadora a assembleia constituinte burguesa, dominada pelos partidos tradicionais, conservadores, de direita, pinochetistas não declarados, da “esquerda” conciliadora e refém da hipócrita institucionalidade burguesa; e a assembleia constituinte proletária, das assembleias territoriais, das verdadeiras demandas populares surgidas no calor das mobilizações de rua. Se não há consciência e espaço político para isso hoje, deve ser desencadeado um grande movimento de agitação e propaganda por todos os ativistas independentes, organizações de esquerda e socialistas para instigar o debate e a reflexão a nível nacional e internacional.

         Eis que os partidos da institucionalidade brasileira saúdam e propagam a necessidade de uma “institucionalidade” (burguesa, não declarada) para a assembleia constituinte chilena. O PCdoB, por exemplo, que expressa posição muito semelhante a do PT, escondendo-se atrás da declaração conjunta dos partidos da “esquerda” institucional chilena, afirma que “a institucionalidade deve implementar com urgência uma agenda que combata os abusos e as desigualdades para aliviar a situação que milhares de famílias estão vivendo”[ix]. Ou seja, sendo acrítica quanto aos perigos da declaração dos partidos chilenos, passa a disseminar as mesmas ilusões. Atribuir “à institucionalidade” o dever de fazer as transformações sociais no Chile é o mesmo que matar a constituinte antes dela nascer.

         O problema da institucionalidade burguesa não se resolve conferindo 50% de vagas para as mulheres e Mapuches no abstrato, mas garantir que essa representatividade tenha consciência de classe e um programa socialista que vá claramente além dos limites da institucionalidade burguesa. Importante ressaltar que trabalhar a consciência de classe é de grande necessidade não apenas dentro dessa representatividade, mas de forma ampla, sendo realizada diretamente e através dos movimentos, nas massas – tendo em vista que é uma ausência teórico-prática generalizada dentro da esquerda e que o trabalho de base é de suma importância nesse processo.

 

Outra assembleia territorial em sessão


Dilema Nº4

         A maioria esmagadora da “esquerda” chilena e mundial está satisfeita com uma constituição que garanta educação, saúde e previdência pública e sirva para tirar Piñera do poder, independentemente do que venha depois. Isso tudo é importante, mas sem mexer na estrutura institucional burguesa tudo isso não passará de “letra morta” – e nesse ponto certamente a Revolución Obrera e muitas outras organizações tem razão. A tudo isso chamamos de economicismo em um nível superior.

         A LIT analisa, corretamente, que “todo o esforço que fizemos, marchas pacíficas, plebiscitos, elaboração de uma lei com demonstração técnica de sua viabilidade, etc., tudo isso foi jogado no lixo pelo governo e o Parlamento. Óbvio! O governo e a maioria dos parlamentares são financiados pelos donos das AFPs [os empresários da previdência privada]! Dessa forma, não conseguimos nenhuma mudança. A única conclusão que milhões de trabalhadores tiraram, é que tudo o que fizemos não nos serviu para nada e que os representantes de NO + AFP se venderam”[x]. A obviedade de tais conclusões, no entanto, não se reflete na política da LIT para a assembleia constituinte atual no sentido de questionar e varrer as instituições democrático-burguesas que realizam este tipo de atrocidade.

         Para concretizar qualquer medida que atenda aos interesses dos trabalhadores deve ser garantido o poder real (ou, pelo menos, deve-se apostar nisso). Isto é, não podemos nos limitar aos marcos aceitáveis para a burguesia, pois esta não seria uma atuação revolucionária no processo da assembleia constituinte – ao contrário, seria agir exatamente como age a esquerda reformista e como a burguesia espera. Por isso, uma das propostas fundamentais é a modificação estrutural das instituições de representantes; ou seja, propor o fim do parlamentarismo burguês e a transformação das assembleias territoriales nas instituições de governo para o Chile, conferindo-lhe poderes legislativos, executivos e judiciários.

         Da mesma forma, será necessário assegurar a eleição dos magistrados para os cargos de justiça, de administração e de legislação (extirpando as castas), sendo que seus mandatos devem ser revogáveis a qualquer momento; além de defender a obrigatoriedade de eleição para todo cargo estatal, seja de bancos públicos ou de administração dos recursos naturais, como o cobre, por eleitores formados pela classe trabalhadora que está na base de tais empresas – acabando, assim, com as indicações de cúpula, seja do presidente, seja dos seus ministros. Para isso, deve-se tentar despertar o interesse do povo pela administração da sociedade e da economia através das assembleias territoriais, e não meramente incentivá-lo a “eleger representantes”. Ir, ao longo do processo, trabalhando, se possível, para garantir a exclusiva representatividade dos partidos e organizações ligadas aos protestos de rua nessas assembleias territoriais, como poder real e alternativo ao parlamento burguês.

         Não menos importante, é destituir as forças armadas pinochetistas e criar milícias populares e de trabalhadores sob controle das assembleias territoriais, que já exerciam papel de controle da circulação de pessoas nos bairros ao longo dos protestos de 2019. Retomar e aprofundar esse processo é fundamental, contrapondo-o ao atual exército pinochetista, apontando que, em tempos de paz, a alta oficialidade também deve ser eleita pelas assembleias territoriais.

 


Dilema Nº5

         Nas suas declarações, a LIT faz a seguinte análise: “Da UDI à Frente Ampla/PC, todos já estão dizendo que querem defender a propriedade privada na Nova Constituição, fazendo mudanças cosméticas que não permitirão uma verdadeira independência e soberania de nosso país. Nós dizemos com clareza: devemos tocar os interesses das grandes famílias e das empresas transnacionais, nacionalizar o cobre e os recursos naturais, colocar a riqueza do país sob o controle da classe trabalhadora e do povo. Queremos acabar com a propriedade privada, porque se o trabalho de produção é socializado e realizado por toda a classe trabalhadora, por que a apropriação da riqueza dessa mesma produção é privada para um punhado de ricos? Recuperar tudo o que nos foi roubado, expropriar o seu patrimônio, é o caminho de recuperar a nossa soberania”[xi].

         A despeito da contradição de propor o “controle da riqueza do país sob controle da classe trabalhadora e do povo” sem indicar quais serão as formas de poder operário correspondentes, a transição econômica e o fim da propriedade privada é um processo mais lento e mais profundo[xii], que depende das formas políticas que o possível poder dos trabalhadores a partir das assembleias territoriais conseguir adotar – sobretudo se a esquerda tiver a firme preocupação de despertar as trabalhadoras e os trabalhadores para assumirem seu protagonismo consciente e ativo nelas (ou seja, desenvolver uma nova psicologia de massas que crie independência intelectual comprometida com a coletividade). Pelas experiências do século 20 e, em particular, pela situação atual do Chile e da América Latina, podemos constatar que ainda falta consciência de classe, organização e condições materiais para abolirmos totalmente a propriedade privada.

         Uma tentativa de solucionar tal contradição é tolerar uma economia mista (propriedade coletiva e privada) até onde for inevitável, mas tendo a propriedade coletiva como eixo através das assembleias territoriais, isto é, do Estado. Propor o poder popular via assembleias territoriais significa, precisamente, trabalhar conscientemente pelo controle operário e popular da produção, mas reconhecendo que, atualmente, faltam consciência e organização suficientes para extirpação tão profunda. Este cuidado é importantíssimo para evitar uma reprodução do stalinismo e dos seus planos quinquenais. Os primeiros passos de um possível futuro governo das assembleias territoriais seriam regulamentar a economia privada e o mercado. O fim da propriedade privada deve ser proposto na exata medida do crescimento consciente e organizado do controle operário e popular da produção e da economia em geral.

 

Aos que hesitam!

         Algumas pessoas reféns do imediatismo e da “mediocridade do possível” podem perguntar: poderemos realizar tudo o que foi proposto até aqui? A resposta decisiva para essa importante pergunta é: tudo depende de como a esquerda irá intervir neste processo, com qual programa, palavras de ordem e disposição de espírito. O conjunto destas propostas – se bem organizadas, agitadas e propagandeadas – pode ser a chave para uma possível mudança na correlação de forças e, principalmente, para ir além da institucionalidade burguesa da assembleia constituinte, preparando o empoderamento da classe trabalhadora. Desde 2019 que “as nossas palavras de ordem estão em desordem”, como dizia Bertold Brecht[xiii]. É preciso hierarquizá-las e colocá-las numa perspectiva classista, evitando todo o tipo de ufanismos; além de aprendermos a ouvir e a sentir o povo, para construir este caminho levando suas experiências, anseios e preocupações progressivas em consideração.

         A vanguarda revolucionária deverá desempenhar um papel hercúleo de agitação e propaganda das ideias que foram expostas até aqui para tentar concretizá-las – além de procurar criticar, dialogar e sintetizar outras que sejam honestas e venham no mesmo sentido. Explicar paciente e o mais amplamente possível tais ideias para que entre no imaginário popular e no inconsciente coletivo. Se não for possível executá-las imediatamente, as deixamos plantadas para o futuro, tanto no Chile como para toda a América Latina. A condição para isso é tirá-las do papel e levá-las ao seio do movimento de massas.

         Nesta construção coletiva e social dois elementos são fundamentais: tais propostas só podem ter um desfecho positivo para a classe trabalhadora se a mobilização de 2019 continuar e se ampliar dentro desta perspectiva, abrindo espaço para a construção de uma organização revolucionária capaz de inspirar e orientar todo o processo político, alertando e lutando contra todas as armadilhas que já existem e as que surgirão. É imprescindível a criação de uma ou várias organizações revolucionárias que confluam nesses objetivos centrais. Se conseguirem desenvolver corretamente as perspectivas apresentadas de ir além da institucionalidade burguesa, podem e devem se tornar a direção revolucionária que tanta falta fez em 2019 e continua fazendo até hoje – e, sem o quê, qualquer constituição não passará de um pedaço de papel repleto de letras mortas.

 

Referências



[xii] Ver e refletir sobre as conclusões do seguinte texto: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/09/socialismo-com-caracteristicas-chinesas.html (ver especialmente os capítulos 4 e 5).