27 de nov. de 2020

DERROTAR A DIREITA EXIGE MILITÂNCIA PARA ALÉM DAS ELEIÇÕES, CONSCIÊNCIA DE CLASSE, O COMBATE DAS ILUSÕES E COERÊNCIA POLÍTICA

 


      As eleições municipais de 2020 chegam ao fim dando a maioria das prefeituras e cargos de vereança para os partidos do chamado “centrão” (leia-se: direita soft). O bolsonarismo perde força, embora ainda conserve apoio popular; e o petismo se reabilitou um pouco, apesar da campanha de “demonização” midiática contra o partido. Em algumas capitais, como Porto Alegre e São Paulo, ocorreram fenômenos positivos, ainda que muito limitados e que precisam ser avaliados com muito cuidado, como a ida ao segundo turno de Manuela D’Ávila (PCdoB/PT e cia.) e Guilherme Boulos (Psol e cia.). 

        O processo eleitoral demonstrou-se ainda repleto de ilusões – sobretudo entre a militância de esquerda/sindical – e, ao mesmo tempo, com muita descrença. Em Porto Alegre, cerca de 358 mil eleitores (33% do total) não compareceram às urnas. Dois problemas que se complementam, porque a militância sindical julga ser possível derrotar a direita e o neofascismo através das eleições e a abstenção não se transforma em ação política anti-regime e anti-sistema.

         Nós da Construção pela Base compreendemos que para derrotar a direita devemos manter uma militância ativa para muito além do processo eleitoral, desenvolvendo consciência de classe e combatendo a burocracia sindical e política que dominam os sindicatos e a vida política do país. Num momento de profundas ilusões eleitorais e de desmobilização geral não queremos contribuir com a polarização e a fanatização, que leva à dicotomização (o terreno preferencial do neofascismo). Não chamamos aqui voto nulo ou no PCdoB/PT, em Porto Alegre, ou no Psol e cia., em São Paulo – respeitamos e queremos dialogar com ambas posições, levando erros e acertos de cada uma delas em consideração. Somos nitidamente conscientes do papel cumprido por MDB e PSDB, que são máfias políticas que dominam o aparato estatal burguês há décadas e governam com mãos de ferro contra os trabalhadores, o que, obviamente, exclui qualquer silêncio em relação a eles.

         Contudo, nos sentimos no dever de alertar contra certos exageros e demagogias que são oriundos do desespero eleitoral que resulta de ocasiões como estas.

 

MDB e PSDB: máfias burguesas que estão interligadas ao projeto econômico bolsonarista

         A maioria das análises das organizações de esquerda estão corretas acerca do caráter e da atuação de MDB e PSDB, por isso não nos cabe acrescentar nada mais. MDB é um antro dos maiores casos de corrupção do país, além de ser o campeão do fisiologismo, estando em qualquer governo federal. O PSDB é o “senhor feudal” do Estado de São Paulo, massacrando os trabalhadores e os usando como vitrine para todos os experimentos neoliberais de retirada de direitos e exploração desapiedada. Não é casual que a maior e mais rica cidade do país conviva com casos de miséria extrema e a fome. Nesse sentido, não temos dúvidas de que PCdoB e Psol são diferentes do MDB e do PSDB e divergimos de quem coloca um simples sinal de igual entre todos estes partidos. Porém, nos preocupa o nível de ilusões a respeito das eleições, que se transforma em ufanismo aberto, quando não em desespero.

         Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que votou contra o plano de carreira dos educadores estaduais, ataca Manuela falando que ela é “comunista” e “estatista”. Tais fake news se proliferam com certo consentimento da própria candidata, que não os rebate nos debates ou mesmo posteriormente. O PCdoB não é “comunista” (nem no sentido “correto”, nem no sentido da ex-URSS); tampouco é estatista. Basta olhar para a atuação do PCdoB nos governos Lula/Dilma, com o código florestal proposto pelo seu deputado, Aldo Rebelo; ou mesmo o seu governador do Maranhão, Flávio Dino, além do perdão da dívida das igrejas evangélicas. O PCdoB nunca ameaçou e não ameaça a propriedade privada e a Constituição (burguesa) de 1988. Ao contrário, tem sido um dos seus mais fiéis defensores. Tampouco caminha no sentido do desenvolvimento da consciência de classe – basta ver sua atuação nos sindicatos.

         Manuela também não pode ser acusada de “estatista” por proteger a manutenção de determinados serviços públicos ou por defender, corretamente, a manutenção da Carris como empresa pública contra os intentos privatistas de Melo (feito, no mais das vezes, para agradar demagogicamente o eleitorado bolsonarista, que, para além do preconceito e do seu interesse imediato, não entende nada de “comunismo” e tampouco de capitalismo e privatização). O PCdoB não tem a menor intenção de “estatizar” nada, nenhuma empresa, multinacional ou o que quer que seja. Esta afirmação, como vimos, está embasada pela prática de PCdoB e PT. Tampouco a pecha de “radical” pode ser pregada em Boulos, dado que ele se aproxima do empresariado paulistano e “dialoga” com vários setores, além de afirmar que não irá demonizar o setor privado. Não propõe, tal como o PCdoB também não propõe, nenhuma mudança político-institucional ou constitucional e mantém-se nos limites da retórica lulista da “esperança vencer o medo e o ódio”.

         Já MDB e PSDB vão continuar retirando direitos, massacrando servidores públicos e garantindo a exploração desenfreada de trabalhadores. Ou seja, não em palavras, mas na sua prática concreta garantirão o Estado como instrumento pleno e eficaz do capital privado, transformando os impostos em subsídios e “incentivos” ao grande capital; isto é: trabalharão a todo vapor pela “uberização” da economia e dos direitos trabalhistas, tal como faz Bolsonaro. Não podemos esperar nada diferente destes partidos e qualquer trabalhador ou trabalhadora que votar neles estará votando contra si mesmo (seriam casos de ignorância, vantagem pessoal ou masoquismo?).

 

Cuidado com as ilusões!

         Mas se Manuela e Boulos não são “comunistas”, “estatistas” e respeitarão totalmente a institucionalidade burguesa, farão o mesmo que Melo e Covas? Não! A diferença entre tais projetos diz respeito, sobretudo, ao que fazer com o orçamento de governo. Como representantes da direita, Melo e Covas subsidiarão o empresariado com verbas públicas em detrimento dos serviços públicos, do emprego, da moradia, do transporte popular, etc. Manuela e Boulos, por sua vez, utilizarão as fórmulas aplicadas pelos governos petistas, de “distribuir” alguma renda por dentro do Estado burguês e da sua institucionalidade, lembrando bastante as orientações de instituições financeiras como o FMI, Banco Mundial, etc., que apregoam uma certa compensação à “questão social” como forma de evitar que o aprofundamento das desigualdades sociais inviabilizem a ordem e o próprio funcionamento do sistema. Isso não é melhor do que projeto de Melo e Covas? Sim, mas a longo prazo é um paliativo desmobilizador, tal como nos demonstraram os governos petistas.

         Manuela fala em ser uma candidata anti-bolsonarista e alguns acham que isso, por si só, não apenas se justificaria, como seria extremamente progressivo. Basta olhar, contudo, as alianças do PCdoB a nível nacional: em 70 cidades está coligado com o PSL de Bolsonaro (enquanto que o PT repete a façanha em 140 municípios, segundo os dados do TSE); em 194 cidades está coligado com o MDB, de Melo (enquanto que o PT está com os velhos amigos em 606 cidades)[i]. E o Psol, de Boulos, recebe o apoio de PCdoB e PT em São Paulo e Porto Alegre. Tratam-se de coligações e apoios pragmáticos e importantes nesse momento, dirão alguns. Cada um conclua o que quiser e seja pragmático em nome da “governabilidade” o quanto desejar, mas não joguem a experiência de 13 anos de governos petistas no lixo.

 

PCdoB e PT defenderão os serviços públicos?

       Um dos grandes argumentos favoráveis aos candidatos da “esquerda” afirma que as candidaturas de PCdoB, PT e Psol, ao contrário das mdebistas e tucanas, defenderão os serviços públicos. Este é o principal motivador de um apoio eleitoral desesperado pra muita gente. Mas cabe perguntar se de fato os primeiros defenderão os serviços públicos contra os segundos? Se comparados ao MDB e ao PSDB, podemos afirmar que sim. No entanto, isso não é um grande mérito, sobretudo se lançarmos um olhar mais atento sobre como se dá esta defesa.

         Se levarmos em consideração que se torna cada vez mais patente o surgimento de um “Estado amplo”, controlado pelos monopólios e trustes internacionais, que não reconhecem os limites das fronteiras e legislações nacionais, estaduais e municipais em contraposição ao um “Estado restrito”, que é o Estado “tradicional”, com suas instituições políticas circunscritas ao seu território, mas subordinadas e dependentes deste poder econômico superior, podemos concluir que há limites evidentes para o poder executivo e legislativo. O central seria que os “nossos representantes” nestes partidos de esquerda lutassem conscientemente contra este “Estado amplo”. PCdoB e PT lutaram? E o Psol, grande respeitador e impulsionador da institucionalidade burguesa, o fará?

         Nesse caso: elegemos “representantes”, governos e “legislamos” no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e nas Câmaras de Vereadores para quê, uma vez que o poder do “Estado amplo” (isto é, dos monopólios de mercado) asfixia e torna inócua toda a legislação que limite seu poder? Para isso, basta ver a situação das multinacionais frente ao governo do Estado – se falamos em cobrar os impostos devidos elas ameaçam ir embora e os governos aceitam tudo docilmente. Assim, em razão das contradições do capitalismo, cada vez mais o “Estado amplo” vai solapando as verbas destinadas aos serviços públicos e mesmo Manuela ou Boulos terão margem muito limitada para defendê-los. O correto seria se enfrentar conscientemente contra tal estrutura – o que inclui a institucionalidade burguesa –, transformando tal enfrentamento em uma luta pública. PCdoB, PT e Psol o farão? Muitos dos seus apoiadores gritarão que “sim”! Contudo, nós temos muitas razões para desconfiar e nos colocar em estado de alerta e prontidão. Sobretudo o fato de Manuela ser acrítica em relação à Fundação Lemann, a mesma que assinou convênio com o governo Leite (PSDB) e pretende tomar conta da educação pública[ii].

Manuela e Boulos podem ter boas intenções em relação aos serviços públicos – se comparados a Melo e Covas –, mas sem lutar duramente contra o “Estado amplo”, a institucionalidade burguesa e a hegemonia do mercado privado sobre a economia, a longo prazo farão o mesmo que Lula e Dilma.

 

A direita sempre governa através da institucionalidade burguesa

         O problema central das eleições é a institucionalidade burguesa a qual os candidatos que forem eleitos terão que lidar. PCdoB e PT não apenas não combatem tal institucionalidade, como a reforçam. O que fizeram em 13 anos de governo federal? Tal “vitória” contra a direita nas urnas é solapada pelo funcionamento da institucionalidade que se segue e isso não é sequer lembrado por quem hoje está numa campanha frenética pela “vitória” da “esquerda”. É esta institucionalidade que compromete toda a gestão “popular” e que fortalece a direita que supostamente é derrotada nas urnas, que precisa ser desmascarada e explicada pacientemente aos trabalhadores e às trabalhadoras. De uma forma ou de outra a direita governa sempre através da institucionalidade burguesa. Reconhecer isso não seria importante? É esta a verdadeira “unidade” que falta à “esquerda”.

         Foi este um dos tristes resultados dos 13 anos de PT e PCdoB à frente do governo federal. Nada foi feito neste tempo para derrotar a direita ou modificar a estrutura do país (um reformismo sem reformas). O golpe é resultado das alianças espúrias, da falta de política concreta para mudar o país e combater as elites e a direita nacional. Ao contrário, além de dar “lucro recorde aos bancos”, o petismo levava a passar os caciques da direita tradicional como grandes aliados, respeitáveis e confiáveis. Votem na Manuela ou no Boulos, denunciem Melo e Covas (e nós estaremos com vocês), mas nunca esqueçam disso e jamais minimizem tais problemas!

         Parte da institucionalidade burguesa se encontra sobretudo nos sindicatos e nas entidades estudantis, a quem PCdoB, PT e mesmo o Psol dirigem com mãos de ferro e uma política paternalista que gera inúmeras ilusões na justiça e nas eleições burguesas. Reforçam direta ou indiretamente a burocratização sindical e está aí, certamente, uma forma central de enfraquecimento dos trabalhadores e de “fortalecimento da direita”.

 

Votar contra a direita... mas sempre com consciência de classe!

         Compreendemos nitidamente o momento delicado que vivemos – de ascensão da direita neofascista – e dialogamos com todas as posições que expressem, de alguma forma, resistência em defesa da classe trabalhadora. Não achamos, contudo, que o centro da luta contra tal direita se dê via eleições e institucionalidade burguesa (evidentemente o terreno do inimigo, que não pode ser embelezado sob hipótese alguma).

         No entanto, não concordamos com a agitação da Transição Socialista (antiga Negação da Negação); não porque supostamente “fortaleça a direita”, conforma o jargão oportunista, mas porque não consideramos que Manuela seja igual a Melo, nem que Boulos seja igual a Covas. Tal agitação equivocada simplesmente reforça todas as ilusões que supostamente quer combater, jogando os eleitores de “esquerda” nos braços dos candidatos “reformistas” e ajudando na polarização/fanatização. As ilusões são grandes e profundas, como podemos constatar e, como não existe um movimento de massas que se ponha como alternativa nítida e firme neste momento, tal polarização não ajuda em nada, mas atrapalha. A unidade dos trabalhadores deve se dar com muita paciência revolucionária. Não se pula etapas apenas simplificando a realidade, que não pode ser simplificada.

         Respeitamos as duas posições que não votam na direita: tanto a que decide por Manuela/Boulos quanto a que optou pelo voto nulo. Não concordamos com o desespero eleitoral, que transforma a passividade do voto de 2 em 2 anos numa solução milagrosa que evidentemente não é. Não achamos que um governo de “esquerda” eleito para o Estado burguês seja, necessariamente, uma forma de “acumular forças” para a luta da classe trabalhadora. Pode significar uma vitória de Pirro, tal como os 13 anos de frente popular no governo federal. Sobre essa experiência podemos perguntar: chegamos perto de derrotar a direita ou a fortalecemos?

         Por tudo isso, cuidado com a dicotomização e o desespero eleitoral. Respeitem as opções de quem é trabalhador e tem consciência de classe. Não embelezem o que não deve ser embelezado, nem prometam o que não pode ser cumprido por tal “esquerda”. Podemos considerar que há um equívoco no voto nulo neste momento, mas serão estes companheiros e companheiras que estarão conosco, ombro a ombro, quando os governos eleitos começarem a nos massacrar, de uma forma ou de outra – e eles farão por vocação ou por pressão do sistema sobre os “governos populares”! Quem discorda que coloque a mão no fogo! O “voto nulo” não se restringe aos setores da “esquerda”. 358.217 pessoas não votaram nessas eleições – cerca de 33,08% do eleitorado porto alegrense (a maior abstenção entre as capitais brasileiras); um aumento de 11% se comparado a 2018[iii]. Xingar 33% do eleitorado por se abster resolveria algo? Dialoguem (e não agridam) quem se abstém. Critiquem sua passividade política e não os faça voltar de joelhos para a institucionalidade burguesa. Reflitam e procurem entender sinceramente suas razões; não projetem neles o desespero eleitoral. Uma política cínica e anti-trabalhador levada a cabo por “governos populares” tem mais responsabilidade pelo fortalecimento da direita do que o voto nulo.

         Da nossa parte, estaremos como sempre estivemos: denunciando a direita, orientando os modestos setores da classe trabalhadora que atingimos a não votarem na direita e ombro a ombro com quem vota no PCdoB/Psol ou nulo. Nosso norte é a revolução socialista e o nosso método é o realismo revolucionário. Não acreditamos em saídas institucionais, por mais que não desprezemos a sua boa utilização (o que não é o caso feito por PCdoB/PT e Psol), que cruzam todos os limites nesse sentido.

         Não se vence a direita neofascista e o capitalismo sem coerência, sem que nossas ações confirmem nosso discurso, sem que tenhamos, bem acima do desespero eleitoral, uma conduta ética ligada aos interesses históricos da classe trabalhadora, que não podem ser defendidos e conquistados com métodos institucionais de bastidores, alianças espúrias com a mesma direita que criticamos, com um sindicalismo burocrático ou embelezando com a nossa vontade íntima o que jamais poderia ser embelezado.


- Dia 29 de novembro vote com consciência de classe: não vote na direita!

- Derrotar a direita exige militância para além das eleições, consciência de classe, o combate das ilusões e coerência política; pressupõe, sobretudo, a luta contra o capitalismo!

- Nenhuma ilusão na institucionalidade burguesa (judiciário, legislativo, executivo “popular”, mudança através do voto dentro da democracia dos ricos): só a luta revolucionária muda a vida!

- Respeito e diálogo entre as vertentes de pensamento eleitoral dentro da classe trabalhadora!


- Contra o desespero eleitoral! Não passem a ansiedade burocrática e ilusória para os trabalhadores: fortaleça a esquerda e enfraqueça a direita lutando contra a burocratização sindical e tomando nas mãos as nossas responsabilidades políticas e sociais todos os dias e não apenas de 2 em 2 anos!

 

Referências

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