As eleições municipais de 2020 chegam ao fim dando a maioria das prefeituras e cargos de vereança para os partidos do chamado “centrão” (leia-se: direita soft). O bolsonarismo perde força, embora ainda conserve apoio popular; e o petismo se reabilitou um pouco, apesar da campanha de “demonização” midiática contra o partido. Em algumas capitais, como Porto Alegre e São Paulo, ocorreram fenômenos positivos, ainda que muito limitados e que precisam ser avaliados com muito cuidado, como a ida ao segundo turno de Manuela D’Ávila (PCdoB/PT e cia.) e Guilherme Boulos (Psol e cia.).
O processo eleitoral demonstrou-se ainda repleto de ilusões – sobretudo entre a militância de esquerda/sindical – e, ao mesmo tempo, com muita descrença. Em Porto Alegre, cerca de 358 mil eleitores (33% do total) não compareceram às urnas. Dois problemas que se complementam, porque a militância sindical julga ser possível derrotar a direita e o neofascismo através das eleições e a abstenção não se transforma em ação política anti-regime e anti-sistema.
Nós da Construção pela Base
compreendemos que para derrotar a direita devemos manter uma militância ativa
para muito além do processo eleitoral, desenvolvendo consciência de classe e
combatendo a burocracia sindical e política que dominam os sindicatos e a vida
política do país. Num momento de profundas ilusões eleitorais e de
desmobilização geral não queremos contribuir com a polarização e a fanatização,
que leva à dicotomização (o terreno preferencial do neofascismo). Não chamamos aqui voto nulo ou no PCdoB/PT, em Porto
Alegre, ou no Psol e cia., em São Paulo – respeitamos e queremos dialogar com
ambas posições, levando erros e acertos de cada uma delas em consideração.
Somos nitidamente conscientes do papel cumprido por MDB e PSDB, que são máfias
políticas que dominam o aparato estatal burguês há décadas e governam com mãos
de ferro contra os trabalhadores, o que, obviamente, exclui qualquer silêncio
em relação a eles.
Contudo, nos sentimos no dever de
alertar contra certos exageros e demagogias que são oriundos do desespero
eleitoral que resulta de ocasiões como estas.
MDB e PSDB: máfias
burguesas que estão interligadas ao projeto econômico bolsonarista
A maioria das análises das organizações
de esquerda estão corretas acerca do caráter e da atuação de MDB e PSDB, por
isso não nos cabe acrescentar nada mais. MDB é um antro dos maiores casos de
corrupção do país, além de ser o campeão do fisiologismo, estando em qualquer
governo federal. O PSDB é o “senhor feudal” do Estado de São Paulo, massacrando
os trabalhadores e os usando como vitrine para todos os experimentos neoliberais
de retirada de direitos e exploração desapiedada. Não é casual que a maior e
mais rica cidade do país conviva com casos de miséria extrema e a fome. Nesse
sentido, não temos dúvidas de que PCdoB e Psol são diferentes do MDB e do PSDB
e divergimos de quem coloca um simples sinal de igual entre todos estes
partidos. Porém, nos preocupa o nível de ilusões a respeito das eleições, que
se transforma em ufanismo aberto, quando não em desespero.
Em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB),
que votou contra o plano de carreira dos educadores estaduais, ataca Manuela
falando que ela é “comunista” e “estatista”. Tais fake news se proliferam com certo consentimento da própria
candidata, que não os rebate nos debates ou mesmo posteriormente. O PCdoB não é
“comunista” (nem no sentido “correto”, nem no sentido da ex-URSS);
tampouco é estatista. Basta olhar para a atuação do PCdoB nos governos
Lula/Dilma, com o código florestal proposto pelo seu deputado, Aldo Rebelo; ou
mesmo o seu governador do Maranhão, Flávio Dino, além do perdão da dívida das
igrejas evangélicas. O PCdoB nunca ameaçou e não ameaça a propriedade privada e
a Constituição (burguesa) de 1988. Ao contrário, tem sido um dos seus mais
fiéis defensores. Tampouco caminha no sentido do desenvolvimento da consciência
de classe – basta ver sua atuação nos sindicatos.
Manuela também não pode ser acusada de
“estatista” por proteger a manutenção de determinados serviços públicos ou por
defender, corretamente, a manutenção da Carris como empresa pública contra os
intentos privatistas de Melo (feito, no mais das vezes, para agradar
demagogicamente o eleitorado bolsonarista, que, para além do preconceito e do
seu interesse imediato, não entende nada de “comunismo” e tampouco de
capitalismo e privatização). O PCdoB não tem a menor intenção de “estatizar”
nada, nenhuma empresa, multinacional ou o que quer que seja. Esta afirmação,
como vimos, está embasada pela prática de PCdoB e PT. Tampouco a pecha de
“radical” pode ser pregada em Boulos, dado que ele se aproxima do empresariado
paulistano e “dialoga” com vários setores, além de afirmar que não irá
demonizar o setor privado. Não propõe, tal como o PCdoB também não propõe,
nenhuma mudança político-institucional ou constitucional e mantém-se nos
limites da retórica lulista da “esperança vencer o medo e o ódio”.
Já MDB e PSDB vão continuar retirando
direitos, massacrando servidores públicos e garantindo a exploração desenfreada
de trabalhadores. Ou seja, não em palavras, mas na sua prática concreta
garantirão o Estado como instrumento pleno e eficaz do capital privado,
transformando os impostos em subsídios e “incentivos” ao grande capital; isto
é: trabalharão a todo vapor pela “uberização” da economia e dos direitos
trabalhistas, tal como faz Bolsonaro. Não podemos esperar nada diferente destes
partidos e qualquer trabalhador ou trabalhadora que votar neles estará votando
contra si mesmo (seriam casos de ignorância, vantagem pessoal ou masoquismo?).
Cuidado com as ilusões!
Mas se Manuela e Boulos não são “comunistas”,
“estatistas” e respeitarão totalmente a institucionalidade burguesa, farão o
mesmo que Melo e Covas? Não! A diferença entre tais projetos diz respeito,
sobretudo, ao que fazer com o orçamento de governo. Como representantes da
direita, Melo e Covas subsidiarão o empresariado com verbas públicas em
detrimento dos serviços públicos, do emprego, da moradia, do transporte
popular, etc. Manuela e Boulos, por sua vez, utilizarão as fórmulas aplicadas
pelos governos petistas, de “distribuir” alguma renda por dentro do Estado
burguês e da sua institucionalidade, lembrando bastante as orientações de
instituições financeiras como o FMI, Banco Mundial, etc., que apregoam uma
certa compensação à “questão social” como forma de evitar que o aprofundamento
das desigualdades sociais inviabilizem a ordem e o próprio funcionamento do
sistema. Isso não é melhor do que projeto de Melo e Covas? Sim, mas a longo
prazo é um paliativo desmobilizador, tal como nos demonstraram os governos
petistas.
Manuela fala em ser uma candidata
anti-bolsonarista e alguns acham que isso, por si só, não apenas se justificaria, como seria
extremamente progressivo. Basta olhar, contudo, as alianças do PCdoB a nível
nacional: em 70 cidades está coligado com o PSL de Bolsonaro (enquanto que o PT
repete a façanha em 140 municípios, segundo os dados do TSE); em 194 cidades
está coligado com o MDB, de Melo (enquanto que o PT está com os velhos amigos
em 606 cidades)[i].
E o Psol, de Boulos, recebe o apoio de PCdoB e PT em São Paulo e Porto Alegre.
Tratam-se de coligações e apoios pragmáticos e importantes nesse momento, dirão
alguns. Cada um conclua o que quiser e seja pragmático em nome da
“governabilidade” o quanto desejar, mas não joguem a experiência de 13 anos de
governos petistas no lixo.
PCdoB e PT defenderão
os serviços públicos?
Um dos grandes argumentos favoráveis aos candidatos da “esquerda” afirma que as candidaturas de PCdoB, PT e Psol, ao contrário das mdebistas e
tucanas, defenderão os serviços públicos. Este é o principal motivador de um
apoio eleitoral desesperado pra muita gente. Mas cabe perguntar se de fato os
primeiros defenderão os serviços públicos contra os segundos? Se comparados ao
MDB e ao PSDB, podemos afirmar que sim. No entanto, isso não é um grande mérito,
sobretudo se lançarmos um olhar mais atento sobre como se dá esta defesa.
Se levarmos em consideração que se torna
cada vez mais patente o surgimento de um “Estado amplo”, controlado pelos
monopólios e trustes internacionais, que não reconhecem os limites das
fronteiras e legislações nacionais, estaduais e municipais em contraposição ao um
“Estado restrito”, que é o Estado “tradicional”, com suas instituições
políticas circunscritas ao seu território, mas subordinadas e dependentes deste
poder econômico superior, podemos concluir que há limites evidentes para o
poder executivo e legislativo. O central seria que os “nossos representantes”
nestes partidos de esquerda lutassem conscientemente contra este “Estado
amplo”. PCdoB e PT lutaram? E o Psol, grande respeitador e impulsionador da
institucionalidade burguesa, o fará?
Nesse caso: elegemos “representantes”,
governos e “legislamos” no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e nas
Câmaras de Vereadores para quê, uma vez que o poder do “Estado amplo” (isto é, dos
monopólios de mercado) asfixia e torna inócua toda a legislação que limite seu
poder? Para isso, basta ver a situação das multinacionais frente ao governo do
Estado – se falamos em cobrar os impostos devidos elas ameaçam ir embora e os
governos aceitam tudo docilmente. Assim, em razão das contradições do
capitalismo, cada vez mais o “Estado amplo” vai solapando as verbas destinadas
aos serviços públicos e mesmo Manuela ou Boulos terão margem muito limitada
para defendê-los. O correto seria se enfrentar conscientemente contra tal
estrutura – o que inclui a institucionalidade burguesa –, transformando tal
enfrentamento em uma luta pública. PCdoB, PT e Psol o farão? Muitos dos seus
apoiadores gritarão que “sim”! Contudo, nós temos muitas razões para desconfiar
e nos colocar em estado de alerta e prontidão. Sobretudo o fato de Manuela ser
acrítica em relação à Fundação Lemann, a mesma que assinou convênio com o
governo Leite (PSDB) e pretende tomar conta da educação pública[ii].
Manuela e Boulos podem ter boas
intenções em relação aos serviços públicos – se comparados a Melo e Covas –,
mas sem lutar duramente contra o “Estado amplo”, a institucionalidade burguesa
e a hegemonia do mercado privado sobre a economia, a longo prazo farão o mesmo
que Lula e Dilma.
A direita sempre
governa através da institucionalidade burguesa
O problema central das eleições é a
institucionalidade burguesa a qual os candidatos que forem eleitos terão que
lidar. PCdoB e PT não apenas não combatem tal institucionalidade, como a
reforçam. O que fizeram em 13 anos de governo federal? Tal “vitória” contra a
direita nas urnas é solapada pelo funcionamento da institucionalidade que se
segue e isso não é sequer lembrado por quem hoje está numa campanha frenética
pela “vitória” da “esquerda”. É esta institucionalidade que compromete toda a
gestão “popular” e que fortalece a direita que supostamente é derrotada nas
urnas, que precisa ser desmascarada e explicada pacientemente aos trabalhadores
e às trabalhadoras. De uma forma ou de outra a direita governa sempre através
da institucionalidade burguesa. Reconhecer isso não seria importante? É esta a
verdadeira “unidade” que falta à “esquerda”.
Foi este um dos tristes resultados dos
13 anos de PT e PCdoB à frente do governo federal. Nada foi feito neste tempo
para derrotar a direita ou modificar a estrutura do país (um reformismo sem
reformas). O golpe é resultado das alianças espúrias, da falta de política
concreta para mudar o país e combater as elites e a direita nacional. Ao
contrário, além de dar “lucro recorde aos bancos”, o petismo levava a passar os
caciques da direita tradicional como grandes aliados, respeitáveis e
confiáveis. Votem na Manuela ou no Boulos, denunciem Melo e Covas (e nós estaremos
com vocês), mas nunca esqueçam disso e jamais minimizem tais problemas!
Parte da institucionalidade burguesa se
encontra sobretudo nos sindicatos e nas entidades estudantis, a quem PCdoB, PT
e mesmo o Psol dirigem com mãos de ferro e uma política paternalista que gera
inúmeras ilusões na justiça e nas eleições burguesas. Reforçam direta ou
indiretamente a burocratização sindical e está aí, certamente, uma forma
central de enfraquecimento dos trabalhadores e de “fortalecimento da direita”.
Votar contra a
direita... mas sempre com consciência
de classe!
Compreendemos nitidamente o momento
delicado que vivemos – de ascensão da direita neofascista – e dialogamos com todas as posições que expressem, de
alguma forma, resistência em defesa da classe trabalhadora. Não achamos,
contudo, que o centro da luta contra tal direita se dê via eleições e
institucionalidade burguesa (evidentemente o terreno do inimigo, que não pode
ser embelezado sob hipótese alguma).
No entanto, não concordamos com a
agitação da Transição Socialista
(antiga Negação da Negação); não porque
supostamente “fortaleça a direita”, conforma o jargão oportunista, mas porque
não consideramos que Manuela seja igual a Melo, nem que Boulos seja igual a
Covas. Tal agitação equivocada simplesmente reforça todas as ilusões que
supostamente quer combater, jogando os eleitores de “esquerda” nos braços dos
candidatos “reformistas” e ajudando na polarização/fanatização.
As ilusões são grandes e profundas, como podemos constatar e, como não existe
um movimento de massas que se ponha como alternativa nítida e firme neste
momento, tal polarização não ajuda em nada, mas atrapalha. A unidade dos
trabalhadores deve se dar com muita paciência revolucionária. Não se pula
etapas apenas simplificando a realidade, que não pode ser simplificada.
Respeitamos as duas posições que não
votam na direita: tanto a que decide por Manuela/Boulos quanto a que optou pelo
voto nulo. Não concordamos com o desespero eleitoral, que transforma a
passividade do voto de 2 em 2 anos numa solução milagrosa que evidentemente não
é. Não achamos que um governo de “esquerda” eleito para o Estado burguês seja, necessariamente, uma forma de “acumular
forças” para a luta da classe trabalhadora. Pode significar uma vitória de
Pirro, tal como os 13 anos de frente popular no governo federal. Sobre essa
experiência podemos perguntar: chegamos perto de derrotar a direita ou a
fortalecemos?
Por tudo isso, cuidado com a
dicotomização e o desespero eleitoral. Respeitem as opções de quem é trabalhador
e tem consciência de classe. Não embelezem o que não deve ser embelezado, nem
prometam o que não pode ser cumprido por tal “esquerda”. Podemos considerar que
há um equívoco no voto nulo neste momento, mas serão estes companheiros e
companheiras que estarão conosco, ombro a ombro, quando os governos eleitos
começarem a nos massacrar, de uma forma ou de outra – e eles farão por vocação
ou por pressão do sistema sobre os “governos populares”! Quem discorda que
coloque a mão no fogo! O “voto nulo” não se restringe aos setores da “esquerda”.
358.217 pessoas não votaram nessas eleições – cerca de 33,08% do eleitorado
porto alegrense (a maior abstenção entre as capitais brasileiras); um aumento
de 11% se comparado a 2018[iii].
Xingar 33% do eleitorado por se abster resolveria algo? Dialoguem (e não
agridam) quem se abstém. Critiquem sua passividade política e não os faça
voltar de joelhos para a institucionalidade burguesa. Reflitam e procurem
entender sinceramente suas razões; não projetem neles o desespero eleitoral.
Uma política cínica e anti-trabalhador levada a cabo por “governos populares”
tem mais responsabilidade pelo fortalecimento da direita do que o voto nulo.
Da nossa parte, estaremos como sempre
estivemos: denunciando a direita, orientando os modestos setores da classe
trabalhadora que atingimos a não votarem na direita e ombro a ombro com quem
vota no PCdoB/Psol ou nulo. Nosso norte é a revolução socialista e o nosso
método é o realismo revolucionário. Não acreditamos em saídas institucionais, por
mais que não desprezemos a sua boa utilização (o que não é o caso feito por
PCdoB/PT e Psol), que cruzam todos os limites nesse sentido.
Não se vence a direita neofascista e o capitalismo sem coerência, sem que nossas ações confirmem nosso discurso, sem que tenhamos, bem acima do desespero eleitoral, uma conduta ética ligada aos interesses históricos da classe trabalhadora, que não podem ser defendidos e conquistados com métodos institucionais de bastidores, alianças espúrias com a mesma direita que criticamos, com um sindicalismo burocrático ou embelezando com a nossa vontade íntima o que jamais poderia ser embelezado.
- Dia 29 de novembro
vote com consciência de classe: não vote na direita!
- Derrotar a direita
exige militância para além das eleições, consciência de classe, o combate das
ilusões e coerência política; pressupõe, sobretudo, a luta contra o
capitalismo!
- Nenhuma ilusão na
institucionalidade burguesa (judiciário, legislativo, executivo “popular”,
mudança através do voto dentro da democracia dos ricos): só a luta
revolucionária muda a vida!
- Respeito e diálogo
entre as vertentes de pensamento eleitoral dentro da classe trabalhadora!
Referências
[i] Ver: https://www.esquerdadiario.com.br/PCdoB-faz-coligacoes-com-PSL-em-70-cidades-e-afunda-ainda-mais-na-conciliacao-com-golpistas e https://www.esquerdadiario.com.br/PT-coligado-com-PSL-em-140-cidades-na-contramao-de-qualquer-combate-a-direita-golpista
[ii] Ver: https://www.facebook.com/manueladavila/posts/3164345690280536 e http://construcaopelabase.blogspot.com/2020/06/fora-fundacao-lemann-da-educacao-publica.html
[iii] Zero Hora de 17 de novembro de 2020, página 7.
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