Uma análise do Município de Porto Alegre
Em meio à uma pandemia causada pela COVID-19, o Governo pressiona direções de escolas a preencherem um documento enviado nesta terça-feira (14/04/2020). O documento enviado pela Secretaria de Educação (SEDUC) contém a seguinte mensagem:
Ressaltando que o documento deveria ser preenchido e devolvido em um prazo de 24 horas, pois a data de recebimento deste e-mail, como circulado, mostra dia 14/04/2020 as 16:58, pedindo para que retornassem até dia 15/04/2020. As tabelas anexadas no e-mail da SEDUC contêm alguns critérios de enquadramentos das escolas em condições de difícil acesso. Contudo, ao ler estes critérios, nota-se que se torna quase impossível uma escola se enquadrar nos graus mais avançados, denominados de Graus 3 e 4.
Assim, seguem as análises das tabelas:
Esta primeira tabela, é referente à localização das escolas em relação à Prefeitura Municipal. Pegaremos como exemplo o Município de Porto Alegre, onde sua prefeitura se localiza no centro, ponto vermelho no mapa. Agora vejamos qual seria o raio de abrangência da distância de 20 km da prefeitura de Porto Alegre:
Na imagem, podemos ver que o círculo em azul, representa, aproximadamente, o raio de 20 km que a prefeitura abrange. Ou seja, de acordo com a tabela, escolas que estejam dentro deste círculo, estarão enquadradas como Grau Zero. Elucidando mais da metade do Município!
Agora vejamos o Grau 1. Nesse grau, seriam escolas em uma distância maior do que 20 km e inferior a 30,999 km. Vejamos que raio isso abrange:
Indicado pela seta azul, somente escolas situadas naquela faixa, e um pedaço próximo à Alvorada, se enquadrariam no Grau 1.
Agora, os níveis 2, 3 e 4 seriam para escolas com distâncias maiores do que 31 km! Quase nem existem escolas, pois estas distâncias excedem o próprio limite do município de Porto Alegre. Assim, concluímos que as escolas, deste município, poderão somente se enquadrar nos níveis Zero e 1. Veja, na tabela abaixo, o valor que será recebido para estes enquadramentos:
No máximo R$ 126,00. Agora vejamos para o segundo item da Tabela, referente à trafegabilidade das vias de acesso.
Sobre este critério, foi pedido às direções que comprovassem através de mapas do Google a necessidade de tráfego por estradas de difícil tráfego. Isso em menos de 24 horas! Para isso, as direções necessitariam ir ao Google Street View e identificar se no trajeto de sua escola, há mais de 2 km de estradas de chão batido ou em condições ruins.
Para exemplificar, 2 km seria, mais ou menos, a distância do Shopping Praia de Belas até o Parque Farroupilha (Redenção), com uma estrada em condições ruins. Isso tudo, para se enquadrar no Grau 1.
Os outros Graus exigem mais de 4 km de estradas em condições ruins, o que talvez em municípios mais rurais se enquadre perfeitamente, contudo, para as escolas em regiões mais urbanizadas, torna-se mais complicado. Seguem abaixo, os valores para cada grau deste critério:
Para o terceiro critério, temos a relação da distância de embarques e desembarques entre as escolas, ou seja, onde ficam localizadas as paradas de ônibus em relação às escolas:
No grau zero, temos uma distância inferior a 500 metros, ou seja, você teria de caminhar em torno de 7 minutos para chegar até sua parada. No grau 1, a distância teria de ser superior a 500 metros e inferior a 699 metros, o que daria um tempo entre 7 a 9 minutos. No Grau 2, temos uma distância entre 700 a 999 metros, ou seja, 9 a 13 minutos. No grau 3, de 1 km a 1,499 km, tempo de 13 a 18 minutos e no último nível a distância superior de 1,5 km, mais de 18 minutos. Agora observe os valores para cada grau:
Para você ganhar mais que 100 reais deste auxílio, você tem de caminhar mais de 700 metros até a parada mais próxima de sua escola, realizando uma jornada de trabalho de 40 horas. Mas isto em uma situação ideal, onde você trabalharia em somente um local, não levando em consideração que muitos professores atuam em diferentes escolas, o que pode fazer com que ele tenha de caminhar muito mais do que estas distâncias de localizações entre as escolas e pontos de ônibus.
O último critério é referente ao Nível Socioeconômico da “clientela” da escola. Exatamente, “clientela” é como está escrito na tabela enviada, como os alunos sendo clientes ou fregueses das instituições escolares.
Este fator é referente à quantidade de alunos inscritos no programa Bolsa Família, onde passa a valer o difícil acesso em escolas que possuam mais de 21% de alunos beneficiados por este programa.
De acordo com o relatório sobre Bolsa Família e Cadastro Único do Município de Porto Alegre, temos um total de 106.793 famílias cadastradas em dezembro de 2019. Estas famílias cadastradas recebem o auxílio do Bolsa Família. A população total de Porto Alegre é de 1,409 milhão de habitantes. Portanto, 7,63% da população de Porto Alegre recebe o auxílio do Bolsa Família, de acordo com estes dados.
Agora, em relação aos alunos matriculados, da mesma fonte temos os dados de 40.385 alunos de 6 a 17 anos, beneficiários do mesmo programa. Se compararmos ao número total de estudantes da rede estadual do município de Porto Alegre, 131.481 alunos, e extrapolarmos dizendo que todos os alunos inscritos no cadastro único estejam na rede estadual, o que não é verdade, pois alguns estão inseridos na rede municipal, teríamos um percentual de 30,7%.
Portanto, em média, cada escola teria um percentual de 30,7% de alunos beneficiários no município de Porto Alegre. Ou seja, os graus 2, 3 e 4 nunca seriam atingidos. Claro, que devemos levar em consideração que existem escolas com um número maior de alunos do programa do que em outras, dada as realidades onde estas estão inseridas. Mas no geral, podemos dizer que estes níveis, dificilmente serão alcançados. Segue abaixo os valores de cada grau:
Valendo ressaltar que existem comunidades com níveis tão altos de vulnerabilidade que sequer conseguem acessar programas de assistência social, mas como estes alunos não estão cadastrados, serão desconsiderados pela análise. A SEDUC ainda informou no e-mail enviado às direções das escolas que se não houvesse o preenchimento de todos os dados enviados em 24 horas, o responsável deveria assinar e se responsabilizar pela informação prestada.
Em meio a tantos desgastes emocionais e momentos de vulnerabilidades, o governo Eduardo Leite (PSDB) quer retirar direitos de quem já sobrevive há muito tempo com salários parcelados, cortados e descontados, devido à última greve. Valendo lembrar que esta reforma do difícil acesso faz parte de seu pacote do Plano de Carreira do magistério, imposto no passado à categoria.
A ação do CPERS se restringiu a enviar uma carta para que sejam suspensas imediatamente as solicitações de reenquadramento no dia 15/04/2020. Agora nos resta esperar e verificar se perderemos mais um direito, dos muitos que podem vir escondidos atrás do discurso de “pandemia”, sem podermos nos manifestar. Cabe lembrar que o difícil acesso é parte fundamental do salário de muitos educadores do RS, que dependem desse valor para ter uma renda um pouco maior. Com a sua retirada arbitrária, utilizando-se de toda a conjuntura, o governo Leite avança no arrocho salarial dos servidores públicos.
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Políticas como esta do governo do Estado tendem a se repetir utilizando-se da pandemia, tal como apregoa a doutrina do choque idealizada pela Escola de Chicago. Se vivemos uma “calamidade pública” o governo jamais poderia avançar na retirada de direitos e de renda dos trabalhadores e servidores. Mas, ao contrário disso, temos visto os governos fazerem uma verdadeira cruzada por uma reestruturação política, estatal e econômica que aumentará impiedosamente a exploração e a miséria dos trabalhadores.
Exemplo disso é a tentativa velada de imposição que o governo vem fazendo ao condicionar o recebimento dos salários com a realização de cursos em módulo online e diversas formas de “teletrabalho”. Além disso, a PEC Emergencial (186-2019) defende a redução de 20% no salário dos servidores públicos. A retirada do difícil acesso se enquadra perfeitamente com as intenções dessa MP. Além disso, em Porto Alegre o prefeito Marchezan rompeu o convênio com instituições de educação infantil na periferia levando à demissão de cerca de 4 mil educadoras destas creches e suspendeu os contratos de estagiários.
Tudo isso demonstra claramente como a burguesia e os seus governos, em sintonia com a doutrina do choque, se aproveitam de uma “calamidade pública” para aplicar projetos de retirada de direitos com o intuito de enxugar a máquina do Estado e garantir estas verbas ao capital privado. Contra as justificativas apresentadas por Marchezan, Leite e parte da grande mídia, devemos ficar em estado de alerta permanente e tentar organizar a resistência urgentemente.
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