Qual
educador nunca ouviu de um aluno a seguinte pergunta: “pra quê eu vou usar este conteúdo na minha vida?”? Desconsiderando
os problemas pedagógicos, curriculares e estruturais da escola atual, estamos
diante de uma clara expressão de imediatismo. Tal aluno não compreende a
necessidade do esforço intelectual se não vislumbra algum tipo de lucro em
troca; isto é, de um retorno imediato. Ele não se vê como parte de um elo
social, construindo conhecimento e cultura.
O imediatismo não está presente apenas
entre os alunos. Encontramos suas expressões em toda a sociedade, como reflexo
direto ou indireto de um círculo vicioso presente na economia, no nosso modo de
vida e na própria educação. De forma semelhante a uma erva daninha, o
imediatismo se espalha para a consciência dos trabalhadores e das suas diversas
categorias, tendo influência sobre os movimentos reivindicatórios.
Podemos considerar o imediatismo como extensão
da filosofia norte-americana conhecida como pragmatismo, que é disseminada incessantemente
pelas relações econômicas, pela grande mídia, pelas escolas e universidades,
terminando por se entranhar no senso comum. Os pragmáticos substituem a busca
filosófica pela “verdade” (isto é, do reflexo objetivamente verdadeiro da
realidade) pelo conceito de utilidade, de êxito, de vantagem. Deste ponto de
vista, todos os conceitos, mesmo místicos e religiosos, são verdadeiros na
medida em que são úteis. Os pragmatistas tomam como critério da “verdade” não a
experiência ampla, social, do trabalho, mas unicamente as experiências
individuais. Neste sentido, qualquer pensamento que seja útil individualmente
pode ser reivindicado, tornando possível dar explicações diferentes, até mesmo
contraditória, de um mesmo fenômeno. No essencial, o pragmatismo filosófico
defende que “se funciona” é bom; ou seja, tudo aquilo que atinja seus fins
individuais (como o lucro, por exemplo) cumpre a sua função, independentemente
deste fim ser contraditório com o social.
É evidente que o senso comum não percebe
esta ligação do seu imediatismo com o pragmatismo filosófico, pois não busca a
reflexão. Seja uma expressão consciente ou inconsciente das pessoas, o
imediatismo é um fenômeno intrínseco às relações capitalistas de produção.
O imediatismo e o
sindicato
No campo sindical o imediatismo é como
um câncer, que corrói qualquer movimento pelas beiradas. Sabemos que um dos
motivos que impede a mobilização de base é o medo da represália (assédio moral,
perseguições, remoções ou mesmo demissões) e as traições da burocracia sindical;
mas há, além disso, uma hipocrisia subjacente em muitos colegas, que apesar de
todos os esclarecimentos possíveis, optam por seguir um caminho de acomodação e
passividade. Quem é imediatista não compreende o papel dos sindicatos e das
greves; apenas exige “resultados” práticos. As pessoas seduzidas pelo
imediatismo não acham importante participar dos sindicatos, os vendo hoje,
conforme sua lente reducionista, simplesmente
como antro de politicagem e partidos. Ignoram todas as lutas que foram e são
travadas coletivamente, não vendo (hipocritamente) nenhum papel na sua omissão.
Nem sequer levam em consideração que haja burocratização sindical, afastamento
das bases e que, justamente isso, gere a politicagem burguesa. A disseminação
do imediatismo na sociedade atual tem sido um impeditivo para uma luta
consequente, além de alimentar a própria burocratização do movimento.
A burocracia sindical reproduz nos
sindicatos a relação paterna que pauta o sentimento infantil e na qual a nossa
sociedade está fundamentada. É mais fácil e seguro seguir o pai, a mãe ou algum
“protetor” que tudo fará por nós, do que buscarmos nossa autonomia, pensarmos
por conta e risco e irmos para a vanguarda das lutas (desta mesma base psicológica
advém a noção religiosa de messias). Somente em momentos de crise os
trabalhadores rompem com esta conduta e dão um passo adiante, mas carregando
consigo todo o peso e o atraso das lutas e dos debates não enfrentados e não
superados. Quando conseguem romper esta passividade e se mobilizam, acabam por se
chocar com a estrutura sindical burocrática e autoritária.
Os dirigentes sindicais, por sua vez,
reforçam este sentimento paternalista visando consolidar sua dominação. Tratam
a base como crianças; bajulam os trabalhadores em momentos de calmaria e nunca
falam o que realmente precisam ouvir. Em caso de ruptura da alienação sindical
e política, os atacam furiosamente. Alimentam o sentimento imediatista quando
negam derrotas nas lutas e nas greves; quando omitem verdades desagradáveis que
os fariam perder votos e influência; quando defendem a forma vertical de
sindicalismo, que dá poder apenas à cúpula em detrimento da base. Afirmam
direta ou indiretamente: “não precisam se mobilizar e tomar a luta em suas mãos
de forma autônoma e coletiva; basta votar em nós que faremos uma gestão responsável e resolveremos todos
os seus problemas”. É como a propaganda comercial: “o voto em nós é satisfação
garantida”. Amplos setores da base da categoria não veem nenhum problema nesta
estrutura; ao contrário, aceitam-na acriticamente e acham tudo isso normal.
Não é de se estranhar que a base do
CPERS esteja bastante contaminada por este sentimento imediatista, temperado
por uma forte compreensão de que a luta sindical é prioritariamente jurídica ou
por queixas de que “o sindicato não faz nada por nós”. Dado a sua natureza
democrático-burguesa, o sindicalismo cutista (e o reformista no geral) não pode
agir de forma diferente, nem criar outro tipo de consciência.
O imediatismo e as greves
Muitos alunos e outros tantos educadores
não grevistas (e, às vezes, até mesmo grevistas) expressam novamente o
sentimento imediatista quando afirmam diante o resultado de uma greve sem
conquistas: “de quê adiantou fazer greve”? A burocracia sindical não apenas não
pode responder esta pergunta, como se esforça por alimentá-la. Não quer
encontrar explicações. Faz análises superficiais, quando não totalmente falsas.
Inclusive não quer encontrar explicações sobre a não participação da grande
massa da categoria em uma luta. É campeã de encontrar com lupa “micro vitórias”
ou mesmo derrotas travestidas de “vitórias” para apresentar a sua base.
Desnudar as entranhas do imediatismo não
significa negar que lutamos e fazemos greves porque queremos vencer, mas nem
todas as greves poderão resultar em vitórias ou conquistas. Devemos ter sempre
em mente que a luta é a longo prazo, que mesmo em uma derrota, por mais
dolorosa que seja, devemos tirar lições, para que se tornem experiências e
permitam que as futuras lutas e greves partam de um novo patamar. Devemos
escolher os melhores momentos pra deflagrar greves (fato nunca levado em
consideração pelas burocracias sindicais); no entanto, nem sempre poderemos
escolher. Às vezes somos levados à greves de vanguarda e sem correlação de
forças favorável. Ultimamente nossas greves têm sido, quase como regra,
defensivas e de resistência. A conjuntura geral nos tem sido desfavorável.
O fato, contudo, é que não existe um
talismã para vitória certa em uma greve. Somente o andamento da luta pode
garantir frutos positivos, sobretudo se vencermos a burocracia e o seu
sindicalismo reformista. Os nossos colegas (potenciais grevistas e lutadores do
presente ou do futuro) precisam desenvolver esta consciência de longa duração,
pois este é um dos principais antídotos contra o imediatismo. A formação
teórica, política e sindical tem papel determinante; sobretudo a história do
movimento operário, mas, principalmente, a sintetização das experiências das
nossas lutas e greves. Não é casual que a burocracia sindical seja inimiga da
formação teórica revolucionária, justamente porque precisa manter a consciência
presa ao imediato. Armar teoricamente a categoria é tirar conclusões das
experiências, é desnudar suas limitações e traições; portanto, é dar armas
contra si própria.
O imediatismo na vanguarda
de esquerda e a greve em curso
A greve atual (que deve se tornar a
greve de maior duração da história do CPERS) trouxe a tona o avesso da moeda.
Os grevistas que estão lutando arduamente para que a greve siga, derrotando a
burocracia sindical em duas assembleias gerais, tem pautado debates
importantes, ainda que muitos também estejam centrados no imediatismo. Eles
falam seguidamente: “o que ganhamos para sair da greve?”. Esta pergunta,
repetida seguidamente, não leva em consideração que a greve deve ser medida
como um processo, além de ignorar a conjuntura e muitos fatos objetivos.
Se foi importante derrotar as intenções
irresponsáveis da burocracia sindical de desmontar a greve com manobras e
discursos terroristas de medo (demonstrando que é possível derrotá-la), esta
vanguarda menospreza ou ignora que a categoria refluiu. Tal como a burocracia
sindical, evita investigar as razões deste refluxo. Para nós, certamente pesam
as traições do CPERS, os desmontes de greve, a falta de trabalho de base, de
organização por local de trabalho. A burocracia sindical muito já destruiu e
continuará destruindo as pontes com a base. O exemplo atual é o golpe na
proposta de comando de greve aberto. Porém, há o sentimento imediatista, que, a
despeito de ser alimentado pela própria burocracia sindical, também surge
autenticamente da base, como reflexo de outras influências sociais e pessoais.
A base que deflagrou a greve em setembro
de 2017 explodiu indignada contra os ultrajes do governo Sartori (PMDB e
aliados); sobretudo em razão dos míseros R$350 do seu parcelamento salarial de
agosto. Deu uma demonstração de força que momentaneamente fez o governo recuar,
junto com a própria burocracia sindical, que se assustou. Contudo, bastou
apresentar uma proposta que não mudava em nada o essencial, somada a chantagens
e ameaças de desconto e desemprego, para que a base refluísse, deixando a
vanguarda novamente isolada. Ainda que tenha havido louváveis demonstrações de
combatividade, o imediatismo terminou por se impor novamente, preparando as
bases de uma possível derrota. Isto é, o governo não recuou do parcelamento, do
escalonamento, da política de fim do 13º salário, de arrocho salarial e do
ajuste fiscal.
O governo e a grande mídia conhecem muito
bem este sentimento existente não apenas na nossa categoria, mas entre a
maioria dos trabalhadores. Não hesitarão em utilizá-lo contra nós. Portanto, cabe
a nós, como vanguarda consciente dos trabalhadores, estudá-lo, conhecê-lo e
trabalhar para superá-lo, seja através da formação teórica, seja através da
intervenção consciente na luta concreta.
O imediatismo tem parentesco direto com o espontaneismo, um vício muito pernicioso
do movimento operário, que é alimentado por grande parte da “esquerda”. O espontaneismo já foi desmascarado por
Lenin no livro “Que fazer?”, escrito há mais de 100 anos atrás, dentre outras
obras. Cabe a nós retomar esta tradição teórica, pois uma de suas grandes
conclusões expressas no referido livro é que “sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”.
- Contra o imediatismo!
Por uma política de formação teórica, sindical e política para a nossa
categoria e para todos os trabalhadores.
- Abaixo a burocracia
sindical, fonte de alimentação do imediatismo e das traições da nossa luta.
- Por um sindicalismo
classista, revolucionário e organizado pela base, que incentive a autonomia dos
trabalhadores.